terça-feira, dezembro 22, 2009

fracturas

O período político é propício: um governo sem maioria; um parlamento com maioria oposicionista; um governo sem vontade de governar; um parlamento com vontade de riscar nos destinos imediatos do país. Tudo isto, como se tem vindo a afigurar evidente, resulta numa amálgama de tensões, discussões parlamentares, frases tonitruantes, em que o mais importante parece ser o significante e nunca o significado profundo. Cada passo de cada partido é meticulosamente medido, não numa perspectiva realista, isto é, tendo em conta os interesses profundos do país, mas numa óptica de umbilical, em que tudo não passa duma mera preparação para o merífico Março de 2010, em que a visão constitucional de novas eleições se coloca de forma efectiva durante sete meses. Daí que até lá vamos ver repetidamente cenas que não passam dum mero esticar de corda, de simples estratégias políticas, para ver quem está mais forte.O que se passou com a legalização do casamento entre homossexuais insere-se nesta onda provocatória. É certo que fazia parte do programa eleitoral do Partido Socialista. No entanto, este facto não pode servir de justificação para que se torne uma medida tão celeradamente admitida no nosso desenho jurisdicional. Com efeito, as pessoas não votaram PS tendo como único paradigma este ponto programático do partido. Pessoalmente, não me incomoda nada que pessoas do mesmo sexo, com uma relação sentimental qualquer, queiram sentir-se protegidos pelo regime legal em vigor, de forma a não se sentirem discriminados em aspectos tão importantes na nossa vida como a assistência a doenças, direitos sucessórios, etc. Acontece que a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, se tem um esteio igualitário merecedor, não foi suficientemente debatido na sociedade portuguesa. Já o mesmo não se passou, por exemplo, com outra questão fracturante que foi a legalização do aborto. Nesta perspectiva, o referendo impunha-se, tal como se impôs na interrupção voluntária da gravidez.Nestas questões civilizacionais, que mexem com os alicerces duma sociedade, o mais acertado é que seja ela própria, enquanto elemento capaz, racional e até emotivo, a decidir. Com um debate amplo e alargado, o problema da adopção entre casais homossexuais seria inevitavelmente debatido. Nesta perspectiva, o mais certo era não voltarmos tão cedo a isto. O que o governo e os partidos da esquerda parlamentar originaram, com o voto favorável ao chamado casamento gay, foi uma lamentável situação discriminatória, ao não permitir a adopção a estas pessoas. Como as coisas ficam, o que vai acontecer é muitos simples: adoptam primeiro e casam depois.

terça-feira, dezembro 15, 2009

o verdadeiro monstro

Foi já há algum tempo (em política o que parece é, deixa de se para tornar a sê-lo) que Cavaco Silva, então um putativo candidato presidencial (já em evidente preparação da sua candidatura) apelidou de monstro a despesa pública preconizada por um Orçamento de Estado de um executivo de António Guterres. Hoje, o monstro – esse monstro – deixou de ser ouvido. Talvez em silêncio ainda se consiga escutá-lo.
Vivemos num período de alta crispação política. No Parlamento – casa da democracia, do povo – não há praticamente sessão parlamentar em que não assistamos a um gotejar de ódios acumulados durante quatro anos de uma inapropriada maioria absoluta. Os deputados – os nossos representantes (desajustados representantes?...) – revelam aí a confiança que devemos neles depositar: em vez da criação de vontades, num período crítico da nossa história, optam por uma digladiação verbal cheia, com já referi, de acumulações pestilentas. Os jornais, as televisões e rádios agradecem. Na primeira audição da Comissão Parlamentar de Saúde, uma deputada do PSD chamou palhaço a um deputado do PS. Este respondeu-lhe com uma qualquer pacovice relacionado com o berço, a linha de Cascais, etc., sublinhando que os apartes, mesmo que insistentes, fazem parte da vida de um deputado. Nessa mesma Comissão, a Ministra da Saúde coloca as mãos na cabeça – o que lhe ficou muito mal – num sinal claro de suposta impaciência. O mesmo deputado do Partido Socialista, saindo da sua obscuridade política, teve depois direito, já num outro registo, a discorrer filosoficamente, como uma espécie de comentador político televisivo dos trabalhos parlamentares, afirmando (mais uma vez) o óbvio, isto é, o que tem vindo a ser constantemente martelado na imprensa: que o PSD deseja criar uma situação de instabilidade política que conduza à inevitável ingovernabilidade e à consequente queda do executivo. É surpreendente este tese. Se existe partido desinteressado, neste momento, em eleições, é o PSD, visto que vive um período de completo desnorte, podendo mesmo (e não é descabido este raciocínio) desaparecer enquanto força de alternância democrática. Os partidos, quando não se justificam, aglutinam-se em outros ou, simplesmente, desaparecem.
Andamos, pois, nisto. Contudo, há um outro país, um país que existe fora destes pitorescos episódios parlamentares. Esta semana um jornal nacional deu conta que Portugal destrói empregos ao dobro do ritmo da União Europeia. Por conseguinte, o referencial dos dois dígitos de desempregados foi já ultrapassado, em Portugal. Com efeito, o número de desempregados no nosso país representa já 10, 2% da população activa (561 mil portugueses sem emprego). Sabendo que estes números são indicadores oficiais e que andam a par com muitos empregos precaríssimos e desempregados que já nem constam nesta panóplia estatística, o desemprego em Portugal assume já verdadeiramente contornes de uma monstruosidade política e social. Desgraçadamente, este país parece interessar menos do que a desajustada retórica parlamentar. No entanto, é precisamente para este país, das pessoas carenciadas, sem a possibilidade de edificar um plano coerente de vida, que a Assembleia da República deve definitivamente olhar. E sublinho Assembleia da República, pois não importa que a resolução (ou atenuação) provenha do governo, do partido A ou B ou mesmo de uma conjugação de forças. O país político não deve deixar de olhar com objectividade para estes números, os quais, mais do que números, são, na verdade, pessoas. Muitas delas sem possibilidade de arranjar novos empregos. Muitas delas na faixa etária dos 25 anos (18, 9 por cento), com formação académica capaz.
Eu quero simplesmente que o meu país não seja um país de exclusão social. O desemprego, esse monstro que teima em grassar paulatinamente na nossa sociedade, é o principal factor de uma sociedade moralmente afectada. Os deputados, nossos dignos representantes, não podem passar ao lado disto.

segunda-feira, dezembro 07, 2009

alegre e cavaco

Estou propenso a crer que, dentro de meio ano, teremos um combate eleitoral presidencial entre Manuel Alegre e Cavaco Silva. Creio ainda que Cavaco será o primeiro presidente da República pós-democracia não eleito para um segundo mandato. E a culpa cabe-lhe inteirinha. Na verdade, Cavaco Silva tem revelado, ao longo deste três anos, uma inaptidão que chega a ser confrangedora. Julgo que o cargo de Presidente da República, em Portugal, não é particularmente difícil exercê-lo. Basta vermos os altos níveis de popularidade que todos os ocupantes do Palácio de Belém têm atingido para percebermos isso. O lugar, de constitucional referência, não se adequa a grandes desgastes. No nosso imaginário colectivo existe ainda uma figura qualquer reinante, pairando por cima da nação, protector. Foi assim que nos mantivemos prisioneiros de uma longa ditadura de 48 anos. E à falta desse tópico referencial, elegemos Salazar, num estúpido concurso de televisão, como a personalidade portuguesa maior de todos os tempos.
Voltemos a 2011: Cavaco e Alegre. Este iniciou há dias um percurso que o levará a ser o escolhido pelos seus continuados e entusiastas apoiantes. Por muita reticência metafísica que componha, o caminho é já o de não retorno. O seu primeiro passo nesse sentido aconteceu quando não aceitou as rogativas do primeiro-ministro para continuar com o seu velho assento parlamentar. De facto, o balizamento temporal até às eleições impunha que não se criasse muitas ondas fricativas com o seu partido de sempre. Dito de outro modo: Alegre ficaria muito mal na fotografia se se enquadrasse de forma natural na agora tão proclamada coligação negativa, isto é, o ajuntamento da oposição partidária na Assembleia da República. Não haveria, pois, lugar para um apoio seguro do PS. Fora do parlamento, o seu espaço de manobra cresce de forma mais assumida, criando desde logo uma imagética de independência tentacularmente adequada. Assim, basta a Manuel Alegre não entrar naquilo que o seu putativo adversário é escorreito – e que tem a ver com uma saturada atmosfera de tabus presidencialistas – para que o seu caminho se reflicta de forma afirmativa. Nos dias que correm, o falar claro, sem rodeios semânticos, é um bem cada vez mais precioso e que Cavaco Silva, notoriamente, não usufrui. Basta olharmos para os inúmeros exercícios de análise discursivo-comunicacionais que a nossa imprensa edifica aquando de qualquer intervenção pública do presidente. De facto, revela-se cada vez mais difícil a Cavaco Silva esboçar um fio de rumo coerente. Fala de estabilidade e age de forma oposta, como se viu na recente polémica das escutas a Belém. O referencial de estabilidade, imposta pela constituição, é coisa que não se vislumbra, nem com muito esforço de análise. Não o ouvimos acerca de nada e, quando isso não acontece, as banalidades são mais que muitas. Um equívoco, portanto. Neste sentido, não é de todo insciente efectuarmos um hipotético exercício político e pensarmos o quanto o país teria ganho se Cavaco Silva não tivesse sido o vencedor das eleições de há três anos atrás. Soares teria sido, estou certo, um presidente muito mais jovial e “atrevido” do que Cavaco. Agora, Manuel Alegre tem a hipótese de relegar o actual presidente da República para um segundo lugar, apesar de sustentar ainda alguns anti-corpos dentro do PS. Mesmo Mário Soares, que tem vindo a ter um desempenho crítico algo confuso em relação à orientação do socialismo moderno José Sócrates, não tem muito por onde escolher senão apoiá-lo. E por parte da perigosamente desagregada família social-democrata haverá muito boa gente que colocará a sua cruzinha à frente do candidato ao lado, visto que o apoio incondicional de outrora foi um tiro que saiu, de certa forma, pela culatra. Aliás, nunca compreendi muito bem o empenho pseudo-programático e material dos partidos para com os seus pretensamente candidatos. A eleição presidencial é inteiramente unipessoal. Daí que não deveria caber, aqui, disputas partidárias. A única razão por que teimosamente existem deve-se a um mero exercício de confronto partidário tradicional: ganhou desta vez o PSD e na próxima vamos ver se é o PS que alcança o voto da maioria. Por isso, enquanto andarmos entretidos neste mastigar aparentemente incessante da nossa vida política, em que dois partidos muito iguais se digladiam de forma um tanto pitoresca (basta analisar o último debate quinzenal do primeiro-ministro com os deputados da nação para verificarmos que, mais do que uma conversa política, o que ali se debateu foi apreciações de carácter), não conseguiremos arredarmo-nos do nível de desenvolvimento que ainda usufruímos. Assim, o que poderia constituir uma efectiva mais-valia para o país, a situação de maioria relativa que se desenha actualmente no Parlamento, tem-se revelado cada vez mais impossível de gerir. Daí que o papel do Presidente da República adquira, neste contexto, uma importância acrescida. Mas não é este pressuposto que, infelizmente, contemplamos.

terça-feira, dezembro 01, 2009

os chumbos do tribunal de contas

Por muitas voltas que se dêem, o quinto chumbo do Tribunal de Contas a obras já concessionadas pelo Governo (o último relacionado com a famosa auto-estrada da justiça, denominada assim por um empolgado José Sócrates) não deve ser achado como um mero acidente de percurso irrelevante. Pelo contrário, tudo isto configura uma tradição de gasto fácil e pretensamente oportuno na política portuguesa. A boa notícia, no meio disto tudo, é que há, ainda, um Estado de Direito a funcionar através destes exemplos que são exarados sem a habitual grazineira de outras paragens justiciosas.

segunda-feira, novembro 30, 2009

habituem-se

Paga direitos de autor o título deste post. António Vitorino, o entusiástico e obstinadamente desejado militante do partido Socialista para um dia assumir a liderança do partido, disse-o um dia, a respeito do modus operandi do último governo liderado por José Sócrates. Assim, dever-nos-íamos todos habituar à ideia de um governo maioritário, um tanto prepotente na consolidação da sua força, a qual, é certo, lhe advinha do feitio muito peculiar do primeiro-ministro, e muito menos, como quiseram sempre fazer crer, do voto popular. Na verdade, as eleições não podem nunca ser contempladas como uma espécie de carta-branca que o povo oferece a um determinado partido quando este ganha com maioria absoluta. Pelo contrário, este cenário obriga a um continuado exercício de humildade democrática que, notoriamente, o governo, em primeiro lugar, e o partido que o sustentava na Assembleia da República depois (numa concatenação demasiado unilateral para a tradição democrática do Partido Socialista), raramente alcançaram. Entretanto, a nova legitimação democrática outorgada pelo povo português, novamente através do voto, originou, como se sabe, uma nova correlação de forças no Parlamento. A maioria, agora, é mais colorada, isto é, pertence inteirinha aos partidos da oposição. José Sócrates tem, pois, um problema, visto que não está habituado a um exercício sistemático de cedência. Daí que se comece já a pressentir um mal-estar no interior deste novo executivo, através da voz mais audível do seu ministro dos Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão, e também por parte de - e isto é que é deveras surpreendente - de alguns órgãos de comunicação social que, ao longo dos últimos quatro anos, se colaram demasiadamente ao executivo socialista.Assim, o atrofiamento parlamentar vivido ultimamente na política portuguesa deu lugar a uma verdadeira euforia legislativa por parte dos partidos da oposição. De facto, foram já oitenta os projectos-lei que esta "maioria negativa" (curiosa definição a fazer lembrar os tempos idos de Cavaco Silva com a famosa "forças de bloqueio", remetendo-nos, cada vez mais, para a assunção de que, independentemente de quem esteja temporariamente no poder, o esquema processual se mantém inexorável) apresentou no Parlamento nestas seis semanas que passaram desde que o décimo sétimo Governo Constitucional tomou posse, alguns dos quais em clara contradição política com o pendor programático do Governo, como, por exemplo, o adiamento da entrada em vigor do Código Contributivo. Neste sentido, não valerá a pena o Governo bradar que foi o programa do partido socialista que os portugueses votaram maioritariamente nas últimas eleições. Tal como acontecera na última legislatura, em que volta meia volta os anos mais ou menos infelizes de outros executivos eram sistematicamente trazidos à liça parlamentar, é tempo agora de a oposição lembrar os anos cerrados da última maioria. Por isso, por mais justificações polidas e políticas se equacionem, o Governo tem simplesmente provado do veneno que semeou durante os últimos quatro anos. Neste sentido, torna-se cada vez mais relevante que agora a oposição não se deixe enredar na arrogância processual que foi, como vimos, a marca distintiva da última legislatura. Impõe-se, agora, nos difíceis dias que ainda vivemos, que o Parlamento seja, efectivamente, um espaço de diálogo e de responsabilidade mútua. O país necessita não só de um bom governo mas também de uma boa oposição

sábado, novembro 28, 2009

o futebol

Essas coisas que dão pelo nome de claques de futebol deixaram, hoje, mais uma vez, a sua marca mediática, ao apedrejarem o autocarro do Benfica. Os nossos dignos representantes jornalísticos, que tantos valorizaram a jumenta atitude do povo futebolístico bósnio, têm aqui um espelho do que é realmente o traço dominante desta gente, independente de qualquer latitude. A atitude, aqui, é que conta. E há muito tempo que creio que, neste submundo, todos estão muito bem e dignamente enquadrados.

sexta-feira, novembro 27, 2009

acidente em lisboa

O acidente que ocorreu hoje à tarde com duas viaturas do Estado revela um dado interessante que é a da velocidade com que estes carros, de vidros fumados, como nos filmes, circulam nas ruas das nossas cidades, como nos filmes. Pelo estado como os carros ficaram, pelas testemunhas ouvidas, os bólides iam,de facto, a grande velocidade. Como nos filmes. Coloca-se, desde logo, uma questão: qual a pressa?

quarta-feira, novembro 25, 2009

a educação

Um dia, quando se fizer a história da educação dos últimos anos em Portugal, chegar-se-á à conclusão que entre 2005 e 2009 houve uma equipa composta por uma ministra da educação e dois secretários de estado que, à sombra duma confortável maioria absoluta emparelhada com uma opinião pública adestrada por uns não sei quantos comentadores (amparados a princípio por um confuso Presidente da República), tentou ficar na história do ensino público português através duma pseudo-reforma do ensino, mas que resultou porventura na maior confusão legislativa da nossa democracia. Tem sido, aliás, um erro caprichoso dos ministros que têm passado pelo Ministério da Educação o de fazer história, mesmo que seja pelos caminhos mais inoportunos e disparatados. Vejamos um exemplo oposto e oportuno, numa apropriada análise comparativa: Veiga Simão impulsionou, anda no tempo de Marcelo Caetano, uma reforma massificadora do ensino, numa altura em que o analfabetismo atingia, em Portugal, números alarmantes. Nada mais certo e natural, embora tímida para os tempos que correm, mas audaciosa para um país que vivia ainda em ditadura. A partir daí, alicerçada por uma pedagogia centrada efectiva e afectivamente no aluno, longe, portanto, do paradigma tradicional, no qual tudo girava em torno do saber do professor, a escola pública iniciou uma abordagem que ainda não se deu por concluída. E ainda bem, dirão, porventura, alguns. Sendo, tal como a sociedade, um organismo vivo e em contínua mudança, a escola não pode dar-se ao luxo de se sentir incapaz de mexer na própria veia social. Afinal, esta não é mais do que o resultado das boas ou más políticas educativas. Daí resulte que a educação seja, invariavelmente, erigida como aposta por parte da maioria dos governos por esse mundo fora. Em Portugal, no entanto, esta parece teimar em não sair dum certo anacronismo anárquico saído da revolução de Abril. O resultado é o óbvio, ao não garantir aos professores uma estabilidade sócio-emotivo-profissional capaz de assegurar uma realidade educativa diferente. Pelo contrário, os docentes são, decerto, umas das classes profissionais de maior insegurança estrutural, atafulhados em diplomas e leis, de centralismos pedagógicos, de programas e contra-programas, em suma, de directrizes que, mais do que clarificar, vêm, ano após ano, baralhar ainda mais toda a narrativa do ensino público português. Há, naturalmente, quem goste de toda esta normatividade. São estes que, actualmente, mais se destacam no ensino, debitando, de cor e salteado, o decreto-lei 74/2004, ou o despacho 14387/2008 de 5 de Fevereiro.
Isabel Alçada, pelo que tem vindo a dizer, pretende modificar este estado de coisas. Ainda bem. Afirma, categórica, que o importante no trabalho do professor se passa na sala de aula. Deste modo, não será nunca um bom professor aquele que não conseguir comunicar, de forma coerente, saberes aos alunos, dentro duma base pedagógico-didáctica estruturada, numa plena assunção do binómio ensino-aprendizagem. Por isso, a agora Ministra da Educação não demorou a colocar no caixote do lixo as principais apostas normativas da equipa que a precedeu no cargo, designadamente a divisão artificialíssima que projectava duas carreiras distintas (titulares e não titulares) e o desventurado diploma sobre a avaliação dos professores. Poderia ser cómico, se não configurasse uma angústia. Tanto tempo perdido! O que se poderia ter feito em quatro anos! Agora, graças a uma “não-maioria” absoluta (mais do que uma maioria relativa), tem de haver uma co-responsabilização por parte dos partidos com assento parlamentar. A altura é, pois, de mudança. O sopro inicial tem sido positivo, tanto por parte deste ministério, como por parte dos partidos da oposição, nomeadamente aquele que tem mais responsabilidades, não por ser o maior, mas também por ser co-responsável do desenho político que nos tem governado desde há trinta anos para cá.
O que agora se pode e deve projectar é simplesmente uma maior simplicidade orgânica nas escolas, em que a aposta seja efectivamente centralizada no professor e no aluno, isto é, numa cada vez maior e acertada dinâmica conflitual. Para o bem da sociedade e do país.

a bandeira de macau, a última

É o exemplo do país no seu melhor perfeito juízo. A última bandeira representativa de quatrocentos e tal anos de governação em Macau jaz numa gaveta esquecida dum armário qualquer. A imagem de Rocha Vieira, solene, de bandeira dobrada no coração, vale mais do que qualquer esquecido Presidente da República.

o padre de celorico e os telejornais

Os telejornais descobriram, por uma das aldeias de Basto, um padre que prescindiu de o ser para se casar. Como não podia deixar de acontecer, lá foram uns pequenotes jornalistas, de microfone em punho, entrevistar uns quantos aldeões. Estes, como também era de esperar, fizeram o seu papel. Novos e velhos, incrédulos e crentes, de vassoura ou copo de vinho na mão, lá debitaram de suas justiças. O país televisivo espera, espantado, por uma nova telenovela.

domingo, novembro 22, 2009

rentes carvalho

Tive hoje a oportunidade de "conversar" com o escritor Rentes de Carvalho. Coloco as aspas no verbo porque não foi uma conversa a dois. Foi antes a 30, 40 ou 50 pessoas. "As conversas na Vilha Velha", potenciadas pela Direcção Regional de Cultura do Norte, em parceria com o Museu da Vila Velha de Vila Real, tiveram, com Rentes de Carvalho, uma justificação plena para o nome.

quarta-feira, novembro 18, 2009

os bósnios

O nosso pendor pseudo-elitista vem ao de cima: os jornalistas que acompanham a selecção de futebol ainda não pararam de criticar estupidamente os adeptos bósnios, que são uns mal educados. Os adeptos, o campo... Tudo que apanham à frente. Não podem sair de casa...

segunda-feira, novembro 16, 2009

as várias faces ocultas

Um dos pontos que deve inquietar o cidadão em todo este processo judicial denominado “Face Oculta” é a incapacidade da justiça em lidar com casos mediáticos. De facto, a vertigem mediática acaba por atingir, em maior ou menor grau, todos. Acontece que, nos casos dos magistrados, cada vez que há um mergulho na esfera da comunicação de massas, o aparecimento de razões que justifiquem uma nova delonga processual cresce significativa e proporcionalmente. O exemplo porventura mais paradigmático desta ligação doentia aconteceu quando um juiz se lembrou de ir à Assembleia da República, abastecido de polícias (e de repórteres), para dar ordem de prisão a um deputado. Outros casos têm surgido, mas o que Rui Teixeira fez a Paulo Pedroso foi, de facto, de uma ingenuidade atroz, fazendo-nos tremer quando pensamos que o nosso futuro pode estar dependente de pessoas que decerto estão muito bem preparadas do ponto de vista teorético, mas que lhes falta um não sei quê de mundo, de vida. Haverá que repensar, por exemplo, a idade mínima de entrada para o Centro de Estudos Judiciários. Outros há, no entanto, que mesmo com todos os anos de experiência em cima, se revelam desajustados para determinar uma decisão que configura uma marca inevitável na vida do réu. Basta recorrermos a declarações de diversos magistrados “futeboleiros” que pululam nos mais diversos clubes de topo do futebol português, para ficarmos boquiabertos com as suas tonalidades ideotemáticas. Ainda há pouco um juiz enviou para a Rússia uma menina de oito ou nove anos com uma mãe que toda a gente via que não tinha as mínimas condições psíquicas para educar uma criança. Em nome do quê? Da jurisprudência? Não foi suficiente, como, aliás, depressa se denotou.
No entanto, quando vemos as duas maiores figuras da Justiça portuguesa trocarem galhardetes na praça pública por causa dumas certidões que envolvem escutas telefónicas, nas quais José Sócrates surge, de forma sistemática, como um estimulante interlocutor, começamos a pensar que há, de facto, no reino da justiça, um ambiente tenebroso que dificulta, naturalmente, o seu normal e proactivo funcionamento. É um facto que o primeiro-ministro põe-se sempre a jeito para aparecer nestes tipos de casos de maior melindre ético-personalista, nos quais surge muitas vezes como personagem principal. De repente, lembro-me de quatro ou cinco, desde a licenciatura obtida na estranhíssima e extinta Universidade Independente (a mesma onde Vara conseguiu o seu canudo), passando pelas assinaturas de projectos de edifícios na Guarda e pelo estafado processo “Freeport”, acabando no oportuno caso TVI, que determinou o afastamento da jornalista Manuela Moura Guedes do jornal de sexta feira daquela estação de televisão.
De qualquer modo, o que se exige à justiça, quer esteja esta no lado do Ministério Público, quer se posicione no lado do Supremo Tribunal de Justiça, é que saiba conviver com pressões. Se tal não acontecer (como, de facto, não está a acontecer) aparecem-nos declarações estonteadas como as que proferiu Pinto Monteiro, quando salientou que, “se depender de mim, divulgo as escutas para isto acalmar” (lembrei-me momentaneamente de um presidente da Câmara de Freixo de Espada à Cinta que também entregava o município aos espanhóis, hasteando a bandeira do país vizinho nos paços do concelho, tudo em nome da clarificação e do protesto político). Por outro lado, Noronha do Nascimento, presidente do Supremo Tribunal de Justiça, replica com a crítica à entrada a conta-gotas das certidões do processo “Face Oculta”, defendendo que é preciso ponderar uma mudança no sistema.
Deste modo, o país leigo em questões de justiça, assiste, através das televisões e em rápidos directos de vão de escada, a este interessante quid pro quo de direito público. É o mesmo país que foge a sete léguas dos tribunais, ou seja, da própria justiça. Não é por acaso que a resposta que mais se ouve quando se pergunta a alguém se já teve de ir a tribunal é “eu não, graças a Deus!”

terça-feira, novembro 10, 2009

o pcp e os totalitarismos comunistas

"Tenho dúvidas que a Coreia do Norte não seja uma democracia" (Bernardino Soares, Fevereiro 2003);
"Vêm com as comemorações do derrube do Muro de Berlim. Fazem-no com sentido anti-comunista, sem se interrogarem se o mundo está melhor ao fim de vinte anos. É um mundo mais injusto, um mundo desigual, menos democrático, com mais guerra. Um mundo em que o capitalismo aumenta a exploração, em que a fome e a doença afecta cerca de mil milhões de seres humanos. É isso que o capitalismo tem para oferecer em alternativa ao comunismo" (Jerónimo de Sousa, ao lado de Bernardino, Novembro de 2009).
É um facto que Bernardino Soares se obrigou, a respeito da declarações acima transcritas, a remeter para a imprensa um comunicado de alisamento semântico, no qual visava que o Partido Comunista Português não se revê inteiramente nas práticas do regime norte coreano. Todavia, devemos questionar o que é, afinal, hoje, o PCP? E este paradigma interrogativo tem de ser, de uma vez por todas, clarificado por parte do partido. É que as desculpas relativamente a este tipo de dislates ideológico-discursivos são sempre mais envergonhadas do que as próprias declarações de base. Pode-se ser comunista demarcando-se frontalmente deste tipo de regimes totalitários? Aguardo uma reposta de Jerónimo ou Bernardino (ou outro qualquer). E avancemos.

No reino da sucata

O que gostaria de ressalvar, no estonteante “sucatagate” que tem vindo paulatinamente a substituir o fervilhante e rapidamente esquecido “Freeport”, prende-se com dois pontos distintos. O primeiro diz respeito à condição de arguido.
Sabe-se que esta nomenclatura jurídica é estranha a muitos outros desenhos jurisdicionais europeus. Em Portugal é arguido todo o cidadão contra quem foi deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal e aquele sobre o qual recaiam suspeitas de prática de crime. Com esta condição, o cidadão passa a ter um tratamento particular perante a lei como, por exemplo, o direito a não se pronunciar (o que não acontece, por exemplo, com a condição jurídica de testemunha). Daí que muitas pessoas, enredadas num determinado processo jurídico, optem por essa condição, solicitando ao tribunal que lhes conceda esse estatuto como forma de melhor se protegerem/defenderem. Neste sentido, perceber-se-á facilmente que entre arguido e acusado há uma diferença enorme, visto que o segundo tem já atrás de si uma via processual suficientemente relevante.
Ora, a questão que sistematicamente se coloca quando alguém com notoriedade política ou social é constituído arguido em determinado processo diz respeito à sua continuidade no cargo. Os exemplos são vários e é verdade que em Portugal os cargos (e o que desliza com eles: vaidade, prepotência, estatuto, etc.) tendem a sobrepor-se, muitas vezes, à ética que deve constituir sempre o farol orientador de qualquer ser humano no âmbito da sua vida profissional, principalmente quando esta se eleva a estatutos de maior responsabilidade. Não é, porém, este o procedimento invariável, na medida em que muitas destas personalidades têm já atrás de si uma certa escola político-partidária que não lhes confere, quando atingem determinados patamares, alcance pragmático suficiente de modo a que consigam (re)orientar esse mesmo “currículo oculto” no sentido de uma transparência irredutível. “Burro velho não toma andadura; e se a toma, pouco dura”, eis um provérbio que se pode, pois, adaptar ao que acabo de explanar.
De qualquer modo, devo também salientar que toda a fobia que gira à volta da demissão deste ou daquele arguido é, muitas vezes, excessiva. Ou seja: não me parece congruente que uma pessoa, por ser constituída arguida, se transforme num espécie de acusado e que, por conseguinte, deva, como condição sine qua non, abandonar ou suspender o cargo que ocupa. A presunção da inocência deve ser, antes de tudo, o pressuposto fundamental para qualquer processo judicial. Parte, assim, de cada arguido, a capacidade de analisar os factos e a decisão a tomar. Em Portugal, com o pseudo-fundo de moralidade que grassa nos jornais e comentadores, é uma decisão cada vez mais difícil se a mesma não se orientar para a demissão. Não existe, portanto, por parte da comunicação social, um respeito pelas decisões de cada um, optando esta pela crítica fácil, a qual muitas vezes vai ao encontro da maior ou menor simpatia que certas personalidades absorvem.
Armando Vara não é, definitivamente, uma dessas personagens que colhem simpatias nos meios jornalísticos. Não conheço o ex-ministro da Administração Interna, mas parece-me que muitas das críticas que se têm vindo a esboçar nos jornais tenham muito a ver com uma espécie de preconceito de raça. Basta olharmos para o que se tem vindo a escrever sobre o caso e facilmente encontramos referências à “humilde” (com as devidas aspas) condição do transmontano Vara, isto é, um ex-bancário de Mogadouro.
Sou dos primeiros a criticar o percurso tradicional de muitos políticos, ora através das pomposamente denominadas “jotas”, ora ainda através de uma ligação umbilical e morbidamente aparelhística, a qual se inicia, invariavelmente, nas concelhias partidárias. Armando Vara, entre tantos outros, seguramente se enquadra nestes pressupostos. No entanto, sou frontalmente contra esta tentativa de aniquilação preconceituosa, numa espécie de senda persecutória por parte de quem se julga detentor de uma qualquer espécie de pedigree estatutário.

sexta-feira, novembro 06, 2009

paulo bento sai

Paulo Bento saiu do Sporting e a nação das agências de comunicação esbarraram dementemente nisso. Qual programa do Governo qual carapuça. O que vai fazer Paulo Bento? Quem sai com ele? O que espera do Sporting? Vai continuar a torcer pelo clube? Por que não tomou esta decisão mais cedo?... São estas as questões que atemorizam, neste momento, o país.

os sucateiros

Pacheco Pereira esteve mal na Assembleia da república ao pedir um esclarecimento a José Sócrates sobre o caso "Face Oculta". Mais do que um problema do PS, o sucateiro que aparentemente sustentou tentacularmente uma rede de favorecimentos vários é um problema do regime. E este tem, como alicerce, dois responsáveis, que são, obviamente, os dois partidos rotativistas. Neste sentido, o PSD também já coabitou com a sua sucata. A recente campanha eleitoral deu ainda para perceber isso.

terça-feira, novembro 03, 2009

o tratado de lisboa, lisboa e josé sócrates

"Como português, como europeu e como primeiro-ministro é com orgulho que vejo o nome da nossa capital, Lisboa, associado ao novo tratado que vai reger os destinos da União Europeia". Foi assim que o nosso novo primeiro-ministro se pronunciou acerca do Tratado de Lisboa. E é este tipo de discurso de trazer por casa, igual ao que defende o orgulho pátrio por Durão Barroso, o nosso fujão mor, na sua comissão de serviço como Presidente da Comissão Europeia, que me escurece o entendimento. Como português, gostaria que o primeiro-ministro de Portugal nem sequer tivesse referido este micrológico pormenor.

segunda-feira, novembro 02, 2009

isabel alçada: evolução na continuidade?

É meu entendimento que a ex-ministra da educação, Maria de Lurdes Rodrigues, desempenhou, ao longo dos seus penosos e longos quatro anos de mandato socialista, um péssimo trabalho à frente de um dos mais importantes ministérios de qualquer país. Não vale a pena esboçar aqui os vários parâmetros em que Lurdes Rodrigues e a sua equipa menearam o mundo da educação. De qualquer modo, afigura-se-me evidente que o focus de toda esta narrativa política se centrou na incapacidade total do ministério de entender o mundo das escolas. Estas não são, definitivamente, espaços que se podem programar dentro de quatro paredes incontestavelmente teóricas. Assim pensada, a escola resulta numa incongruência altamente burocrática, num “linguarejar sem sentido e sem ideias”, na expressão feliz de António Nóvoa, reitor da Universidade de Lisboa. E é precisamente o que tem vindo a acontecer, desde há muito – é justo referi-lo – com as várias equipas que têm gravitado no interior do Ministério da Educação. O exemplo porventura mais marcante e pragmático desta filosofia educativa teve o seu epicentro com a revisão do Estatuto da Carreira Docente, designadamente com a divisão artificialíssima e sem sentido dos professores, a qual resultou em nomenclaturas absurdas como o são, por exemplo, as de professores titulares e professores não titulares (bastaria centrar-nos na singularidade do nome para facilmente verificarmos do completo absurdo da coisa: titulares do quê?!...). Passados dois anos desta inserção nas escolas, evidencia-se pertinente a questão: quais as mais valias que trouxeram os professores titulares às escolas? Acaso funcionam melhor? Os alunos estão melhor preparados? Cidadãos mais fiéis? A resposta é naturalmente negativa. O que não é de espantar, visto que a essência da invenção não tem nada de pedagógico. Para percebermos esta evidência, basta notarmos que somente os titulares conseguem chegar ao topo da carreira. E nestas coisas de topo da carreira, as variáveis economicistas costumam sobrepor-se às restantes, mesmo que nestas se enquadrem realidades pedagógicas meritórias.
Daí que fique ligeiramente espantado quando li que a actual ministra da Educação, a prevista Isabel Alçada, tem, como farol político, a consolidação, reforço e desenvolvimento das alterações introduzidas por Maria de Lurdes Rodrigues. E digo ligeiramente espantado porque me lembro de a ter ouvido aquando das sessões de esclarecimento do Partido Socialista no âmbito da campanha eleitoral (“Avançar Portugal”), e ter ficado espantado com o registo discursivo da então candidata a ministra. Entendi então que Isabel Alçada se posicionou para conquistar o cargo, tal a amplitude panegírica da prédica. José Sócrates gosta deste tipo de personalidades “consensuais”. Daí a contratação.
Felizmente, temos hoje um governo que precisa dos votos da oposição para governar. Conseguintemente, paradoxos como os de Maria de Lurdes Rodrigues e a sua extraordinária equipa educativa, não terão muita razão de existir na actual conjectura política. A não ser que seja por meio da educação que o governo aposte na tão irascivelmente proclamada responsabilidade da oposição. É um preço demasiado alto, sabendo de antemão que, nesta matéria, é o próprio governo que se encontra isolado. Para além disso, a educação tem sido, provavelmente, a área governativa mais errática ao longo da nossa vivência em democracia. O que – facilmente se constata – tem sido também o nosso maior erro.

domingo, novembro 01, 2009

a face oculta dos puros sangues

Os puros sangues lusitanos, embora muito deles já deleitosamente arraçados, encontraram no enleado Armando Vara um oportuno e feliz bode espiatório. Vasco Pulido Valente, o mor do grupelho, iniciou, este fim de semana na sua coluna no Público, um ataque cerrado a estas personagens sem pedigree. No outro dia foi Saramago que levou. Coube, desta vez, a Vara. Ah! Portugal, Portugal!...

terça-feira, outubro 27, 2009

o lobo ibérico, outra vez

A Quercus decidiu formalizar mais uma queixa à União Europeia para que trave a construção de um Parque Eólico do Douro Sul. Tudo por que, segundo estes ambientalistas, o empreendimento põe em causa a vivência dos animais. É bom recordar que por causa destas queixinhas foram gastos largos milhões de euros na construção dum viaduto na A24. Até ao momento, ainda não foram detectados vestígios de lobo algum. Este facto torna-se exasperadamente anedótico quando verificamos que, mesmo ao lado do viaduto, se plantaram trabalhosas pedreiras.
Ora, se tivermos em conta que a causa do declínio do Lobo Ibérico se deve, essencialmente, à sua perseguição directa e ao extermínio das suas presas selvagens, não nos custará admitir que uns postes eólicos em cima de um monte não serão preponderantes para o regular funcionamento da vida destes animais.

sacerdócio

Li uns parágrafos que prefiguram alguns traços distintivos daqueles que aspiram a uma vida sacerdotal. Assim, no documento intitulado "Orientações para a utilização das competências psicológicas na admissão e na formação dos candidatos ao sacerdócio", de 2008, encontramos este tipo de "razões": "estabilidade clara da identidade masculina", "a capacidade de integrar a sua sexualidade no todo da pessoa". Para além disso, parece que nestas orientações não cabem aqueles que sofrem de graves carências físicas, os adolescentes criados fora do convívio dos pais, os emigrados de terra em terra e também aqueles com têm o infortúnio de terem parentes alcoólicos ou dementes. Estes últimos devem ser minuciosamente avaliados, pois nunca se sabe o que pode resultar desta tenebrosa conjugação de factores somáticos. E assim prega Frei Tomás...

segunda-feira, outubro 26, 2009

um representante da república na madeira

Na espuma dos nossos dias, há notícias que o não são pelas mais prosaicas razões. Este fim-de-semana deparei-me com uma que se liga ao Representante da República para a Região Autónoma da Madeira. Fui ver os alicerces constitucionais deste cargo e reparei que faz justiça ao provérbio que dita que "o que nasce torto tarde ou nunca se endireita". Vejamos: fundado pela Lei Constitucional nº 1/2004, de 24 de Julho, no âmbito da sexta revisão constitucional, só quatro anos mais tarde se consagrou, de modo definitivo, na Constituição da República, com a publicação da Lei nº 30/2008, de 10 de Julho. Torna-se, pois, fácil entender que todo este hiato temporal foi caracterizado por uma enormíssima indefinição de competências, algumas das quais vinham já do primeiro desenho constitucional (em democracia) que criara a figura de Ministro da República para as Regiões Autónomas. Convém notar, no entanto, que o âmbito competencial deste cargo lhe confere uma importância que não se adequa à prática política. Na verdade, não me ocorre ter alguma vez ouvido o Juiz Conselheiro Monteiro Diniz pronunciar-se sobre qualquer decreto legislativo regional, seja sob a forma de uma fiscalização preventiva ou mesmo através do veto político. Assim, temos na Madeira (e presumo também na Região Autónoma dos Açores) um Representante da República que pouco mais faz do que... representar a República, seja lá o que isso possa circunscrever.
Mas é precisamente aqui que a notícia emerge. Monteiro Diniz confessou sentir-se de "mãos atadas" e que nada pode fazer perante certos despautérios oriundos, por exemplo, da práxis política madeirense, designadamente da Assembleia Regional, reconhecendo, deste modo, que não tem competências para actuar, pois este é um cargo solitário circunscrito a uma magistratura de influência. Acrescenta ainda, para sublinhar o seu desconforto, que já por duas vezes pediu para abandonar o cargo e que está fora de questão continuar após 2011, data em que termina o seu mandato.
Todavia, o nosso representante na ilha compensa a míngua operacional através de pretensas análises sociopolíticas madeirenses. Assim, começa por afirmar que é o sistema autonómico que não permite uma actuação arbitral na ilha, o que, a ser verdade, é de facto extraordinário (estranho ainda mais não se ter ouvido aquando do veto de Cavaco Silva relativamente ao Estatuto Político dos Açores, o qual preconizou uma situação político-administrativa análoga à da Madeira), visto que se trata de um reconhecimento da inocuidade do cargo que ele próprio ocupa. Vai, porém, mais longe e culpa, desprendidamente, o povo madeirense, que tem dado sucessivas maiorias absolutas ao PSD: "o problema é o eleitorado da Madeira, que deu maiorias absolutas a um partido durante estes anos todos, esse é o problema". Pela minha parte, anoto simplesmente que Monteiro Diniz deve estar mesmo fartinho de andar por lá sem fazer nenhum. É que ouvir o representante da República (por inerência representa o próprio Presidente da República) criticar de modo tão explícito o alicerce de qualquer regime democrático que é o voto do povo, estranha-se e dificilmente se entranha. Se não andássemos distraídos pela espuma dos dias, Monteiro Diniz teria sido já convidado a regressar... à pátria.

domingo, outubro 25, 2009

o reaccionário vasco pulido valente

Chego atrasado à polémica do texto de Vasco Puilido Valente da última sexta-feira no Público. Li-o e custou-me acreditar no que os meus olhos percorriam. O homem fala em conceitos como berço, educação, escolaridade, semianalfabeto, inveja, dotes de nascença, mediocridade, tudo para caracterizar denegridamente José Saramago.
Mesmo que tentemos ler este escrito infeliz e estúpido à luz duma variável polissemia, o que o senhor doutor de Oxford nos proporciona não é mais do que uma visão paroquiana de alguém que é incapaz de sair dum casulo feito de teias rancorosas e umbilicais. Para isso, não era preciso tanto estudo, sr. doutor.

sexta-feira, outubro 23, 2009

7º lugar do douro

A vasta região do Douro é, desde há muito - permitam-me o lugar comum - uma espécie de diamante em bruto. A National Geographic Society consagrou-lhe o sétimo lugar de um total de 133 destinos turísticos sustentáveis. É uma boa notícia para a região e para o país, num momento em que o grande desígnio nacional se encontra virado para auto-estradas, comboios TGV's e um retumbante aeroporto.
Sempre me entristeci que um país fisicamente tão pequeno como Portugal conseguisse alargar para além do regime despótico de Salazar e Marcelo Caetano uma divisão tão arreigada entre litoral e interior. O que é deveras insólito é este tipo de pensamento único que, na nossa contemporaneidade democrática, nasceu com os governos de Cavaco Silva: a de que é através das estradas que o desenvolvimento no interior do país se propaga. Podem ajudar, mas não bastam. E o que se me afigura deveras extraordinário é que não vejo qualquer desígnio nacional para o pós-autoestradas. Construam-se e depois logo se vê. Ocorre-me, repentinamente, os famosos estádios de futebol para o Euro 2004 (e vem aí o mundial): um verdadeiro exemplo.

quinta-feira, outubro 22, 2009

votos para a nova ministra


Isabel Alçada tem na resposta pronta deste miúdo tudo aquilo que desejavelmente terá já assimilado. Com efeito, a última resposta que a ex-Ministra da Educação pensava ouvir acerca da "escola nova" era esta.

quarta-feira, outubro 21, 2009

o psd e saramago

O PSD, este partido que anda agora à procura duma identidade que se perdeu algures num passado recente, convive, definitivamente, mal com José Saramago. Por ser o escritor comunista, evidentemente, não por exprimir hipotéticas heresias. Aliás, este tipo de reacção crítica, que se inaugurou com um tal Sousa Lara - que foi em tempos Secretário de Estado da Cultura (penso que era esta a nomenclatura) - e que agora teve um seguidor num obscuro eurodeputado, acaba por alongar, ainda mais, o fosso com o chamado país real. Propor a mudança de nacionalidade ao escritor só pode vir de alguém que não consegue esgrimir argumentos. Saramago limitou-se a constatar um facto: A Bíblia, enquanto obra civilizacional fundamental, contém preceitos imagéticos escabrosos. Agora se todos esses mandamentos devem ser lidos à luz da metáfora, a qual é sempre sujeita a um reestruturamento do texto, isso é já outra história.
Por mim, fico feliz por o tal-deputado-que-não-sei-quem é não fazer parte dos novis deputados da Assembleia da República. Afinal, em Estrasburgo também fazem falta estes dignos representantes da nossa casta fundamentalista.

terça-feira, outubro 20, 2009

outra vez um campeonato de futebol

Estamos novamente com novo desígnio nacional. é uma forma de União Ibérica esta ideia de ligação futebolística com Espanha na organização de um campeonato do mundo para a próxima década. Entretanto, a guerra dos estádios já se iniciou, com o recém-eleito presidente da Câmara de Faro a reclamar uns joguitos lá na terra. Como o estádio do Algarve só tem capacidade para 30 mil pessoas, parece que este facto não é argumento suficiente para impedir a aspiração de Macário Correia: afinal, só será necessário acrescentar mais vinte mil cadeirinhas. E depois logo se vê o que fazer. Isto é cíclico. E doentio...

segunda-feira, outubro 19, 2009

e o encontro de deus pinheiro consigo próprio

Mas não se fica por Carvalho da Silva e António Costa este tipo peculiar de encarar politicamente o país e os eleitores (ver post anterior). João de Deus Pinheiro, outro vetusto líder político, aproveitou uma pequenina aragem que Manuel Ferreira Leite lhe proporcionou para sair da sua longa hibernação. Andou, por isso, alegremente junto da líder durante grande parte da campanha eleitoral, pelo menos quando os momentos televisivos remetiam para uma certa solenidade. Afinal, Deus Pinheiro foi uma figura de proa do cavaquismo (Ministro da Educação e dos Negócios Estrangeiros), Comissário Europeu, e outras coisas mais. E como não se pode desaproveitar certas cabeças luminárias, aceitou o convite para liderar uma lista distrital de deputados à Assembleia da República, na esperança legítima de ver o seu nome proposto para Presidente do Parlamento ou, no mínimo, para um qualquer poiso ministerial.
Mas Manuela Ferreira Leite e o PSD perderam as eleições. Por conseguinte, Deus Pinheiro, que chegou a pedir a maioria absoluta (que chatice seria governar sem maioria), teve de se contentar com um lugarzito de deputado. Aguentou-se meia-hora. Assinou e renunciou ao mandato.
Comecei a julgar que Manuela Ferreira Leite perderia as eleições quando aceitou a integração de António Preto na lista de deputados, isto é, quando a sua imagem de credibilidade, a sua apregoadíssima e tenaz luta pela verdade se começou a esmorecer. Depois, quando vi Deus Pinheiro várias vezes a seu lado, marcando uma presença vazia, inócua e, por isso, prejudicial à candidata, tive a certeza dessa derrota. Não me enganei.
Não sei se Manuela Ferreira Leite se sente ultrajada. Estou propenso a crer que muitos eleitores que acreditaram no seu projecto, nas suas palavras, não se sentirão, agora, lá muito bem. E a culpa é também dela.

o encontro casual de carvalho com costa

Afinal, Carvalho da Silva, vetusto líder da maior central sindical do país, uma das vacas sagradas da esquerda, encontrou-se com António Costa, antes das eleições autárquicas. Não por mera casualidade, como ambos juraram a pés juntos, mas por que Carvalho da Silva preparara meticulosamente o encontro no Martinho da Arcada.
Confesso que me estou nas tintas para o mal-estar comunista. O que eu não gostei foi o de me terem feito passar por parvo. Simplesmente por que acreditei na casualidade desse oportuno esbarramento citadino. Afinal, Lisboa não é assim uma cidade tão grande. Mas mais do que a minha ingenuidade (provavelmente fui o único), o número apresentado por estes senhores não é mais do que uma peculiar forma de perscrutar a política. É que por muitas palavras elevadas que se inventem, as eleições são sempre um aperto que vale bem um numerozito destes. Não é assim, senhores Carvalho da Silva e António Costa?

sexta-feira, outubro 16, 2009

uma intervenção de pedro feijó

Pedro Feijó é um aluno do Liceu Camões (que comemorou hoje 100 anos) e fez hoje uma intervenção notável diante da ex-futura ministra, Lurdes Rodrigues e de Cavaco Silva. Acusou o ministério de ter sido responsável por uma verdadeira asfixia nas escolas públicas, ao, por exemplo, tirar "a representatividade e o poder aos estudantes e outras classes nos órgãos de gestão, dando-o a agentes exteriores à escola". Salientou ainda que o pior de tudo foi a atitude do ministério, ao desprezar "manifestações com milhares de estudantes" e "abaixo-assinados, incluindo um com dez mil assinaturas de estudantes, que pediram a revogação destas leis. Desprezou manifestações com várias dezenas de milhar de professores que lutavam pelos seus direitos, pelas suas escolas."
António Feijó está, pois, de parabéns pela coragem e perspicácia crítica demonstrada diante de Lurdes Rodrigues e de Cavaco Silva. Nunca é demais lembrar que esta ministra foi muito acarinhada, no início das suas pseudo-reformas educativas, pelo Presidente da República, apesar de, passadas as turbulências, se ter posto com um pezinho de fora. Como, aliás, convém a um presidente...

mário lino nos gatos

Acabei de ver Mário Lino num programa de humor. Fiquei com a sensação que ele não percebeu que aquilo era precisamente um programa de humor. Foi impressão minha, ou ele fala muito à José Sócrates? Não sei, mas aqueles trejeitos discursivos!... A dada altura, perdeu mesmo a cabeça: "um grande político português contemporâneo, José Sócrates, disse que..." Vamos ter saudades.

quarta-feira, outubro 14, 2009

isabel alçada

Ouvi um atrasado discurso de Isabel Alçada sobre a política educativa do governo PS, numa sessão do Partido Socialista ("Avançar Portugal") e fiquei espantado com o registo venal da futura Ministra da Educação. Não se ouviu uma única crítica, um único reparo. Elencou as medidas de Maria de Lurdes, uma a uma, como se tivesse a explicar as várias etapas do revistimento betuminoso de qualquer obra pública. Não lhe ouvi uma referência aos professores. Maus prenúncios.

a coerência de vasco graça moura

Vasco Graça Moura é um seriíssimo caso de personalidade dupla. O grande e apaziguado especialista em literatura dá lugar, na política, ao mais extravagante e irracional opinador. Cavaquista dos sete costados, passou a manuelista dos oito. Daí que o disparate seja a norma quando aborda temas políticos. Hoje, por exemplo, afirmou que Manuela Ferreira Leite deve manter-se na liderança do partido, pois "tem a legitimidade de ter sido eleita normalmente e tem um mandato que ainda não terminou". Quanto a José Sócrates, a receita é a oposta: é preciso que [o próximo governo] seja derrubado o mais depressa possível". Conclui-se, portanto, que, para Vasco Graça Moura, o governo recentemente indigitado por Cavaco Silva não conquistou, "normalmente", a vitória no dia 27 de setembro.

a alternativa

Manuela Ferreira Leite saiu há pouco do tradicional encontro com o primeiro-ministro após as eleições legislativas. O que dise aos jornalistas foi o óbvio: que o PSD irá ser uma oposição responsável e que o termo responsável aplica-se, neste contexto, dentro de uma perspectiva realista do país, isto é, não pedir o que se torna impossível de realizar na actual conjuntura e enquadrar a acção política do PSD tendo em conta que o seu partido é a verdadeira alternativa. Ora, parece que Ferreira Leite não percebeu ainda o actual estado das coisas. Neste momento, não se pode falar assim, com o artigo definido, quando se projecta uma alternativa. É que não existe a alternativa, mas alternativas. Nem o próprio PS é, na actualidade, a alternativa. O desenho parlamentar que saiu das eleições não se compagina com uma solução unipartidária. Por conseguinte, a regra, agora, é o regresso da política. E quem se advogar como alternativa vai, irrevogavelmente, para o abismo.

terça-feira, outubro 13, 2009

passos coelho concorre à liderança

Registo o sentido de honestidade de Passos Coelho, que aureolou hoje, com uma declaração aos órgãos de informação, a sua candidatura à liderança do PSD. Disse então Passos Coelho: "Posso dizer que, quando forem convocadas as eleições no PSD, terei oportunidade para apresentar a minha candidatura, que será normal dentro do trabalho que venho fazendo no PSD". Esta última parte da sua declaração é, pois, deliciosa: "o trabalho que venho fazendo no PSD..."

despedimentos na quimonda

Foi a primeira vez que vi regatear despedimentos. A administração da Quimonda baixou em cem o número de trabalhadores que vão para o desemprego. Agora, estão nos 500, mais coisa menos coisa. Ao princípio da tarde, eram 600. Vamos lá ver onde isto vai parar amanhã.

maitê proença

Parece que uma grande amiga de Miguel Sousa Tavares andou por aqui, meia desvairada, a mandar umas atordoadas ao nosso querido Portugal. Os telejornais nacionais fizeram do assunto coisa séria. Sinceramente, não vejo onde pára a notícia.

os animais e os homens

Mais uma amostra do furor legislativo: a proibição dos animais em circo e a sua reprodução (!). Por mim, nada contra. Os argumentos relativamente a esta medida são obviamente variáveis, consoante a posição e a sensibilidade de cada um. Podemos agrupá-los, sem grande esforço, em duas categorias: um excesso de intromissão do Estado na vida das empresas circenses e, por outro lado, uma marca civilizacional.
É meu entendimento que o intuito primeiro do legislador encontra-se, mais pausadamente, nesta última vertente. Neste sentido, o bem-estar dos animais prevalece sobre os instintos "voyeuristas" do ser humano. No entanto, importa ser coerente e atingir, com igual medida, as touradas, os "rodeos" (a suposta e gritada superioridade moral do Bloco de Esquerda tem aqui um extremo de hipocrisia política), as gaiolas caseiras dos passarinhos e passarões e, não menos importante, os jardins zoológicos. Neste propósito, revela-se de uma ironia trágica algumas tabuletas que titulam certas cercas animais nestes parques públicos, cujas informações orientam o visitante para uma amostra do modo de vida do bicharoco... no seu habitat natural. Por exemplo: animal que vive nas grandes planícies africanas, atinge velocidades superiores a 50 km/hora, e por aí adiante... Onde está, afinal, no meio disto tudo, a coerência?

segunda-feira, outubro 12, 2009

um tópico europeu

Por vezes, basta muito pouco para escrever uma crónica. Neste caso, a segunda página do Expresso da última semana revelou-se suficientemente capaz de me entusiasmar. E o que relata, então, logo a abrir, o semanário de Pinto Balsemão? Nada mais, nada menos do que os rendimentos dos eurodeputados. O título é, desde logo, sugestivo: “Eurodeputados gastam mais 30 milhões em despesas”.
Como se sabe, o novo Estatuto do Deputado entrou em vigor a 15 de Julho e teve como principal inovação o pagamento ao quilómetro das viagens para casa, colocando um termo à disparidade de remuneração dos deputados consoante o país de origem. Deste modo, o que antigamente era guiado pelos respectivos parlamentos nacionais, passou agora a ser estruturado com um salário único de €7000 mensais (€5969 líquidos). No caso dos nossos felizes deputados, tiveram um acréscimo de €3444. A questão, todavia, não se estaca nesta simples homogeneização salarial inter pares. Se é certo que se exauriu o subsídio ao quilómetro das viagens para casa, é também certo que se criaram mais duas novas assistências salariais: uma nova versão do subsídio ao quilómetro e um outro de “tempo perdido” na viagem. Os eurodeputados, não sei se ironicamente (nunca se sabe), apelidaram-no já de “subsídio de transtorno”. Conseguintemente, a exponencial subida, relativamente à anterior legislatura na rubrica subsídios, situa-se nos €32 milhões. O interessante é que, no actual quadro parlamentar, há menos 49 deputados. Quer isto dizer que, apesar de menos, gastam mais (o orçamento do Parlamento Europeu foi o que mais subiu dentro das instituições europeias: €1590 milhões face a €1530 da última legislatura). Mas não se ficam por aqui as benesses: por cada dia de exaustivo trabalho em Bruxelas ou Estrasburgo (um exemplo da pesada e expansiva organização comunitária, com sessões plenárias mensais em Estrasburgo, sessões das comissões em Bruxelas e a sede do secretário-geral do Parlamento em Luxemburgo), cada deputado recebe €298, além do seu salário. Ainda segundo o jornal, os deputados auferem ainda, no item despesas de gabinete, €4200 e, como se não bastasse, reivindicam um aumento para o seus assistentes, de modo a garantir um trabalho de qualidade com a introdução esperada do Tratado de Lisboa.
É certo que este tipo de matérias exalta para uma oportuna demagogia. Pela minha parte, não é essa a minha intenção. Todavia, convém sublinhar o óbvio: numa altura de crise europeia e mundial, onde milhões de desempregados enxameiam os centros de emprego, onde cresce perversamente a pobreza, envergonhada ou declarada, a União Europeia patenteia uma capacidade notável para resolver as questiúnculas de mera organização salarial, através deste tipo de homogeneização comunitária. Por outro lado, essa estreita lucidez pragmática não é conduzida para uma resolução dos verdadeiros problemas dos cidadãos. Muito pelo contrário, as instituições europeias têm-se revelado, face à crise, de uma total e preocupante inoperância política, preferindo, muitos dos seus mais respeitados dirigentes nacionais, entreterem-se em agrupamentos que pomposamente são designados de G qualquer coisa. Será porventura na aprovação do Tratado de Lisboa que tudo isto começará a mudar. Pelo menos, é o que os mais optimistas esperam. Haverá, estou certo, novas reformas. Quanto mais não seja, para optimizar, ainda mais, a configuração salarial do Parlamento Europeu.

sábado, outubro 10, 2009

obama nobelizado

As opiniões são divergentes. Para uns, o prémio Nobel da Paz deste ano não podia estar mais bem entregue pelo que Obama representa na esperança duma paz mundial, na esperança do início de uma nova ordem mundial, a qual, para alguns destes, já se teria mesmo iniciado com a sua eleição. Para outros, o presidente dos Estados Unidos ainda não justificou tão responsável galardão. Afinal, só está ainda no poder há dez pequenos meses. No entanto, poderemos elevar uma terceira via de análise: a de que o prémio não é pelo que ele fez, mas pelo que se espera que venha a fazer. Neste sentido, estou em crer que Barack Hussein Obama, o quadragésimo quarto presidente dos Estados Unidos da América, preferiria que lá por Oslo o seu nome não tivesse sido, sequer, alvitrado.

segunda-feira, outubro 05, 2009

fim de ciclo

O ministro da agricultura, um dos que está de saída do executivo socrático, afirmou, em Bruxelas, que "quem ganhou as eleições foi o engenheiro Sócrates" e que este "tem toda a liberdade" para escolher o seu governo. É interessante verificarmos, nestes diversos ocasos ministeriais, as várias verdades la palissianas que, por norma, todos os ministros executam, principalmente aqueles que têm cartão de saída. Do mesmo modo, será igualmente curioso anotar os encómios de Sócrates a estes desadequados ministros. Pela minha parte, estou curioso relativamente a Maria de Lurdes Rodrigues, um dos algozes deste governo.

cavaco silva

Não será de todo desacertado afirmar que existe, no Presidente da República, uma tendência que configura uma certa inaptidão para a política. É certo que ele sempre se definiu como um não-político, apesar de se encontrar, há mais de vinte anos, no seu epicentro. Daí que Cavaco – o homem político – possa ser considerado um paradoxo. Vejamos: foi ele o primeiro político que alcançou uma maioria absoluta, chegando mesmo, depois da primeira, à segunda. Isto depois de um estranho partido da década de oitenta – o PRD –, abençoado por Ramalho Eanes, ter destituído, com uma moção de censura, o governo minoritário social-democrata, liderado precisamente pelo actual Presidente da República. Depois disso, foi ganhador absoluto das eleições presidenciais (dez anos passados da derrota com Jorge Sampaio na sua primeira tentativa presidencialista), muito por causa dum silêncio estratégico que delineou durante o consulado deste último, mas também (sobretudo?) por uma separação conflituosa entre uma esquerda que (dizem) é socialmente maioritária em Portugal.
Convém também lembrar que Cavaco Silva apareceu na política num célebre congresso do PSD, ocorrido na Figueira da Foz, quando, segundo o próprio, o objectivo primeiro na sua deslocação à cidade, era fazer a rodagem ao carro acabadinho de comprar. Começou, portanto, a desenhar-se o sebastiânico homem do leme. Obviamente que este episódio, pitoresco, ficou nos anais políticos como uma não-verdade. Seria lá possível um homem, estranhamente desconhecido, sem biografia (Soares dixit), arrecadar assim um partido do marasmo que vivia num bloco central sufocante, sofrendo ainda um complexo de orfandade devido à morte do seu fundador, Francisco Sá Carneiro. No entanto, por vezes o homem político encontra-se terminantemente condicionado pelos acontecimentos que não consegue dominar. E a rodagem ao seu Citroën foi, neste propósito, um acaso providencial e libertador para Cavaco que viu, sem contar, a sua moção ser aprovada e aclamada maioritariamente no congresso.
Cavaco Silva é, pois, um fenómeno político. Não é, todavia, caso único na política portuguesa. Lembro-me, assim de repente, de mais dois: Nuno Abecassis que conseguiu duas maiorias absolutas em Lisboa precisamente pelo partido menos representativo eleitoralmente no círculo da capital, o então CDS; e João Jardim, cujas alarvices discursivas conseguem conservá-lo intocável há já trinta e tal anos.
Por conseguinte, quando Cavaco Silva tenta reagir politicamente à adversidade é, por norma, desastrado. Os exemplos são muitos, mas observo apenas dois: quando se dirigiu ao país na questão da possível inconstitucionalidade do Estatuto dos Açores (cheio de razão, diga-se desde já) e agora no episódio que configurou o chamado caso das escutas a Belém, o qual determinou uma singularíssima e infeliz intromissão do presidente nas duas campanhas eleitorais, na legislativa directamente e, nas autárquicas, com uma consequente desvalorização das mesmas. O sentido de estado do nosso presidente – o que, por norma, é de todos os portugueses – deve ser, pois revisto. Por ele, ou pelos seus assessores.

ausência de cavaco silva no 5 de outubro

Há uma terrível e fatal ironia quando Cavaco Silva defendeu que não discursará no Terreiro do Paço para não ser acusado de interferência nas eleições autárquicas. Esqueceu-se, porém, que ao convocar aquela transmissão solene e acusatória ao país, em horário de abertura dos telejornais, relegou estas eleições para um plano secundaríssimo. É que ele sempre disse que falaria ao país depois das eleições. Referia-se, como se viu, às legislativas.

domingo, outubro 04, 2009

olimpiadas no rio

A propósito da recente aposta do Comité Olímpico Internacional em presentear o Brasil com a edição dos Jogos Olímpicos de 2016, um dos reponsáveis olímpicos cá do burgo, apressou-se de imediato a demonstrar o seu regozijo salientando que é sempre uma alegria que a língua portuguesa seja anfitriã da edição e que os laços entre os dois países facilitarão um intercâmbio de atletas, designadamente a possibilidade de estágios na cidade brasileira. Foi logo a primeira coisa que este senhor pensou: uns estagiozitos no Rio.

tratado de lisboa

Temos, finalmente, o Tratado de Lisboa aprovado. Durão Barroso, o nosso orgulhoso comissário, já se pronunciou, agradecendo o empenho dos irlandeses. Tenho uma proposta a fazer: simplesmente ir à negra: quem ganhar à melhor de dois é, definitivamente, o vencedor: o sim ou o não.

domingo, setembro 27, 2009

derrotas

Primeiras previsões de resultados: várias derrotas: PS, PSD e CDU. Vitórias: abstenção, CDS-PP e Bloco de Esquerda. Por tudo isto, não compreendo os festejos eufóricos do PS.

quarta-feira, setembro 23, 2009

boçalidades

Se olharmos para a maioria das campanhas eleitorais em curso, não vemos muito mais do que boçalidades. A última foi conduzida por José Junqueiro em Viseu, quando leu, de forma ignorante, um excerto de um discurso de Salazar em pleno projecto daquilo que se designou por Estado Novo. O que quis Junqueiro provar com isso? Para além da sua própria boçalidade, o que conseguiu demonstrar foi que quantos mais junqueiros aparecerem em público (e já apareceu, pelo menos, um outro, chamado João Soares, para além daqueles circunstanciais que se empolgam com a presença do chefe), mais próximo Manuela Ferreira Leite se encontra da vitória no domingo. Ela esteve, aliás, muito bem na resposta à estupidez de Junqueiro. Tudo isto, de certo modo, me amargura. Ainda para mais quando todos estas pessoas se encontram sentadas, como deputados da nação, nas cadeiras da Assembleia da República.

segunda-feira, setembro 21, 2009

os srs. sondagens

Ouvir estes responsáveis pelas sondagens realizadas no nosso país no Prós e Contras é muito engraçado. São verdadeiros aprendizes de feiticeiros. Estou propenso a crer que eles não sabem que as pessoas gostam de desviar a resposta quando recebem um telefonema lá em casa a pedir o seu voto. Ouvi um dizer que não há dúvidas quanto ao vencedor que vai ser o Partido Socialista. Feitiçaria. A Fátima Campos Ferreira, embalada, simplesmente apaga o Partido Comunista nas suas espantosas análises pós-eleitorais.

contradição cavaquista

Uma contradição tremenda: Cavaco não quer perturbar estes dias de campanha eleitoral, deixando "todo o espaço para os partidos políticos" e acaba por demitir o seu mais fiel e antigo assessor. Sem esperar uns meros dias.

os equivocados

Não pretendo obviamente dar lições de socialismo a Mário Soares e Manuel Alegre, mas pasmei quando os vi, fervorosos, num apoio incondicional a José Sócrates no último fim-de-semana. É certo que vivemos numa época da Realpolitik, onde as tradicionais clivagens ideológicas entre os diversos contentores políticos tendem a esbater-se na espuma cada vez mais mediática da política. Por isso é que tendemos a olhar para os dois partidos do poder e vemo-los num só, incapazes duma real bifurcação política. O último governo de José Sócrates serve modelarmente de exemplo, quando expediu milhões de euros para salvar o BPN das fraudes de colarinho branco que durante anos foram sendo descaradamente desenroladas, ou então quando agiu de forma irredutivelmente prepotente nas pretensas reformas educativas protagonizadas por Maria de Lurdes Rodrigues, a qual liderou, provavelmente, a mais lastimável equipa educativa desde o 25 de Abril. Podia trazer ainda à colação aquilo que Francisco Louça tem anotado durante a campanha eleitoral sobre a privatização da GALP ou da EDP, empresas que oferecem, aos seus maiores accionistas, lucros fabulosos. Neste pressuposto, torna-se relevante que o maior accionista tivesse deixado de ser o Estado.
Pode ser também verdade que o PSD tem uma inclinação mais liberal do que o PS. Passos Coelho teve mesmo a ideia fabulosa, quando se apresentou à liderança do seu partido contra Manuela Ferreira Leite, de privatizar a Caixa Geral de Depósitos, um banco que deveria servir de referência aos demais, o que – facilmente se verifica – não está de todo a acontecer, pois toda a orientação administrativa da Caixa se tem fundamentado numa total diluição num mercado virado do avesso, como se desoladamente provou com a presente crise económica e financeira que vivemos.
Ora, foi contra todo este status quo neo-liberal, contra este socialismo moderno que tanto Mário Soares como, principalmente, Manuel Alegre se opuseram durante os últimos anos. Basta lermos os artigos de jornais e intervenções públicas do ex-presidente para facilmente verificarmos que coexistem, no interior do partido socialista, dois socialismos divergentes, em que cada vez se denota mais os tentáculos ameaçadores do tal que é moderno ou, se quisermos ser mais polidos, mais terceira via à Tony Blair. Manuel Alegre foi mesmo ao ponto de participar em comícios guiados pelo Bloco de Esquerda, pairando mesmo a ideia que o histórico socialista pudesse vir a formar um novo partido, partindo duma base de apoio de um milhão de votos conquistados nas eleições presidenciais. Pelos vistos, falou mais alto a visão adesivista da política, um defeito que Alegre, no alto da sua efígie poética, tem, convenientemente, combatido. Daí que, entre um eventual desapoio do PS nas próximas eleições presidenciais e este assomar no comício ao lado de Sócrates, Alegre não tenha hesitado (muito) e se quedasse, ainda que envergonhado, por esta última opção. E foi por tudo isto que, à falta de melhor argumento, Manuel Alegre se saiu com isto, numa tentativa frustradíssima de delinear objectivamente as diferenças entre os dois partidos do meio: uns trazem cravo na lapela nas comemorações do 25 de Abril; outros, não. Para Sócrates, foi suficiente.

quarta-feira, setembro 16, 2009

os "gatos" e os políticos

Desproporcionado o impacto que a série de entrevistas humorísticas protogonizadas por Ricardo Araújo Pereira é o mínimo que se pode dizer sobre isto. Qual Judite de Sousa, qual Constança, qual Clara de Sousa. Seria a "morte do artista" a rejeição ao programa. Até a Manuela percebeu isso.

campanha

O que eu verdadeiramente dispensava, nesta campanha, era o discurso de João Soares em Faro ("a outra senhora", repetiu ele, sem graça) e as palermices dum jota qualquer do PSD num jantar comício de hoje, com Manuela Ferreira Leite presente. A líder bem se esforça por fazer uma campanha diferente (e eu estou a gostar da ideia e até mesmo da campanha), mas há sempre esta raça indistinta que dá pelo nome de jotas e que até tem direito a um número negociado de deputados (!) e também a este tipo de imbecilidades.

segunda-feira, setembro 14, 2009

o fantasma do iberismo

Parece-me absurdo extrapolar as palavras de Ferreira Leite sobre o interesse particular dos espanhóis relativamente ao TGV. Em primeiro lugar, porque parece que tem razão, se tivermos em conta a reacção de alguns políticos do país vizinho. Depois, porque anexar às suas declarações uma espécie de nacionalismo primário, à extrema-direita, é precisamente de quem tem uma visão algo apertada sobre as relações/negociações que devemos ter com a única fronteira que nos abraça. E o verbo abraçar vem, neste caso, muito a propósito.

sábado, setembro 12, 2009

o debate

Um debate é, por definição, um confronto de ideias entre duas ou mais pessoas. Tendo em conta este pressuposto, o que vimos na SIC no passado dia 12 de Setembro foi mais um confronto de personalidades do que de ideias. Neste sentido, não é de todo inapropriado afirmar que, afinal, no que diz respeito a programas ideológicos, PS e PSD são, efectivamente, partidos que poderiam muito bem coexistir num só. O que eu quero dizer com isto é que nem o PS é um partido de esquerda (posição ocupada de forma natural pelo Bloco e PCP), nem o PSD é um partido de direita (ao contrário do que acontece, por exemplo, com o CDS-PP, com claras orientações programáticas, as quais absorvem, por vezes, o que de mais radical se verifica numa direita europeia cada vez mais extremista, embora ainda dentro de alguma virtuosidade democrática). Por isso, o fantasma alimentado por José Sócrates quando diz que Manuela Ferreira Leite quer introduzir mais sistema privado na saúde, educação e segurança social não tem realmente sentido, uma vez que a própria líder é categórica a desmentir essa suposta pretensão. Ou seja: não é pelo caminho das privatizações que podemos aferir as diferenças programáticas entre estes dois partidos. Para definir clivagens nesse sentido, temos, como disse, o Bloco e o PCP, cujos programas apostam fundamentalmente num cada vez mais premente peso estatal em diversos sectores basilares da sociedade, como a energia (EDP e GALP), a banca e os seguros. Nada, aliás, que um "bom" socialista não subscrevesse. Basta ouvir, por exemplo, Manuel Alegre ou Mário Soares (não entendo, sinceramente, a não ser por uma espécie de sintoma de pai fundador, os notáveis encómios de Soares relativamente a Sócrates).
Por tudo isto – e ao contrário do que diz José Sócrates e do que porventura pensa Ferreira Leite – não é uma escolha entre duas visões antagónicas de perspectivar a política que vai estar em causa dia 27 de Setembro. O que verdadeiramente separa, neste momento, PS e PSD é, essencialmente, a personalidade dos seus líderes, isto é, duas formas distintas de estar na política. Se, por um lado, Sócrates parece mais ministeriável do que Ferreira Leite é porque, simplesmente, ocupou a chefia do governo durante quatro anos e meio, alimentando, ao mesmo tempo, numa comunicação social muitas vezes estúpida, uma imagem pretensamente natural (talhada, portanto, para tão altos voos) mas que, amiudadas vezes, mais não fez do que reflectir uma personagem facilmente irritável quando confrontado com ideias contrárias às dele, embora sublinhe, como convém, que convive muito bem com o contraditório.
Se repararmos bem, toda a estratégia do primeiro-ministro ao longo da legislatura baseou-se no pormenor de linhas esquecidas de há quatro, três, dois anos atrás, ditas pelos seus opositores. Vimos isso nos debates semanais na Assembleia da República e vimo-lo agora nos televisivos. Quando não pode contrapor o que foi dito há dois ou três anos, regressa, imudável e finoriamente, ao detalhe duma qualquer menção no programa eleitoral do seu opositor. Trabalhinho de muitos assessores, pois é também para isso que eles servem. Duvido mesmo que, no caso do secretário-geral do PS e primeiro-ministro, tenham mais alguma utilidade. Por isso, Ferreira Leite tem razão quando reflecte que Sócrates é incapaz de perceber que não há duas realidades exactamente iguais e que defender, há quatro anos, o TGV não é a mesma coisa que o abraçar nos dias que correm. Daí que Sócrates fale muito do passado e apresente, invariavelmente, exemplos determinados de decisões pretéritas, as quais, embora importantes, não são pertinentes para definir a marca estrutural dum governo, pois não haverá nenhum político que não consiga alterar, num período de quatro anos e meio, nada.
Por outro lado, Ferreira Leite torna-se incapaz de se distender discursivamente e, por isso, perde qualquer debate televisivo com José Sócrates, o qual se pode afirmar que é um verdadeiro especialista em falar para as câmaras de televisão. Curiosamente, nos breves minutos que a líder do PSD concedeu à estação televisiva após o debate, quase que se transfigurou no que diz respeito à estruturação do seu discurso.
Por conseguinte, o que nos espera no dia a seguir às eleições não vai ser muito diferente do que temos hoje. Mudam as pessoas, mas a política mantém-se mais ou menos na mesma. Com uma – enorme – diferença: o Parlamento vai adquirir uma importância que nunca deveria ter sido subalternizada nas três maiorias absolutas que a nossa democracia passou. E isso só pode ser positivo.

terça-feira, setembro 08, 2009

avenida manuel pinho

Custa-me a crer que a recente inaugurada Avenida Doutor Manuel Pinho, em Paços de Ferreira, não tenha sido objecto de análise política. É verdade que ultrapassa o básico cariz político para se inserir, alegremente, num foro psico-clínico. É também verdade que um acontecimento destes não é mais do que o resultado dos tempos desavergonhados que vivemos e que Manuel Pinho, um ex-ministro da Economia que um dia apontou, no Parlamento, uns corninhos a um deputado comunista, não fez mais do que continuar os tiques duma maioria política obtusa e deformada. No entanto, a parolice de Paços de Ferreira merece ser criticada. O caso envolve tudo, até o desgraçado do cantor Tony Carreira, que recebeu Pinho no camarim, segundo declara o Expresso. Um autarca do PSD prometera, em Março - já em final de mandato, portanto -, aquando da inauguração da primeira fase do Multipark, que o nome de Pinho ficaria perpetuado numa avenida. Esta, como acontece com muitas obras inauguradas por esse país fora, não estava ainda concluída, visto que o piso se apresentava muito irregular. Nada que demovesse o empolgado autarca e também Pinho. Este, desavergonhada e singelamente, reflecte esta verdadeira delícia retórica: "estas homenagens não se pedem, aceitam-se".
Ele não sabe porque é incapaz de atingir que com este gesto de aceitação vaidosa e presunçosa colocou em causa princípios éticos republicanos como, por exemplo, o de servir o outro. E o outro, neste caso invertido, não é mais do que ele próprio.

falar verdade na Madeira

Não sei o que se passa na cabeça dos políticos quando visitam a Madeira. O que sei é que ficam de tal modo destemperados que, invariavelmente, iniciam um rol de articulações verbais disparatadas. Jaime Gama, numa das suas visitas oficiais enquanto Presidente da Assembleia da República, foi ao ponto de evocar o Presidente Jardim como o exemplo supremo do político democrático. Cavaco Silva, que tem um posicionamento político-social que se encontra nos antípodas de Alberto João Jardim, foi extrovertidamente encomiástico, há pouco mais de um ano, quando realizou uma visita de cinco dias ao arquipélago, sublinhando que Jardim é uma referência incontornável e um “impulsionador decisivo da nova face da Madeira” e que (talvez por isso) não precisava de elogios porque a sua obra (sempre a obra!) falava por ele. Agora foi a vez de Manuela Ferreira Leite que, já em campanha, afirmou que jamais poderia não visitar a ilha, um exemplo de governação social democrata. Entusiasmou-se e explicou que, afinal, asfixia democrática é um mero conceito virtual na Madeira e real no continente.
Por sua vez, o PS, através do seu extraordinário porta-voz, João Tiago Silveira, não deixou escapar esta pérola argumentativa e, em resposta imediata, convocou os jornalistas para lhes transmitir que é, afinal, na Madeira que se vive uma asfixia democrática. Enumerou cinco virtuosos exemplos da democracia madeirense: o impedimento da entrada do deputado do PND na Assembleia Regional, a visita de Cavaco Silva sem sessão solene na mesma assembleia, a qual deixou de comemorar o 25 de Abril, o congresso do PSD Madeira que Alberto João Jardim fechou à comunicação social e o financiamento com dinheiro públicos do Jornal da Madeira, onde o próprio Jardim assina uma coluna de opinião.
Surpreende-me este tipo de agilidade argumentativa. Afinal, com tantos e graves problemas esconjurados pelo porta-voz do partido que apoia o governo na Assembleia da República, torna-se legítimo perguntar por que razão é que nuca houve, por parte do PS, um agendamento parlamentar que visasse o combate a este tipo de despotismo tão extravagantemente anunciado por João Silveira? Deste modo, ficámos a saber que a nossa democracia vive, airosa e despreocupadamente, com duas verdades: uma, a proclamada; outra, a vivida. Pelo menos, quando se aterra na Madeira, as proclamações ficam em casa, isto é, no continente.

segunda-feira, agosto 31, 2009

a esquerda desiludida

O último artigo de opinião do sociólogo Boaventura Sousa Santos na revista Visão vem ao encontro de muitos eleitores que se acham agora órfãos duma esquerda que se dizia moderada, numa primeira instância, para se auto-proclamar, depois, de moderna. Reflecte então o autor sobre o eleitor de esquerda que, dentro de semanas, irá colocar a sua cruzinha no boletim de voto. Começa por afirmar que, eleitoralmente, Portugal é de esquerda. É, desde logo, uma opinião que se pode considerar, no mínimo, controversa. Neste sentido, a eleição de Cavaco Silva – o primeiro presidente da República que não advém de uma área sociopolítica de centro-esquerda – veio, de certo modo, acabar com o mito dum eleitorado maioritariamente de esquerda. As pessoas, agora, tendem a pensar mais pelas suas cabeças do que por ideologia partidária, apesar de haver ainda muita boa gente que olha para o partido político como se de um clube de futebol se tratasse. Na realidade, torna-se muitas vezes de difícil delineação sabermos, dentro dos principais partidos portugueses, quem é que é mais de esquerda e quem é que se situa mais à direita. Não é, por exemplo, por se defender acerrimamente um novo enquadramento legal para as uniões de facto que se pode afirmar que o PS é mais esquerda que o PSD. Do mesmo modo, se analisarmos comparativamente o programa dos dois principais partidos, facilmente nos deparamos com orientações difíceis de enquadrar no plano ideológico. Basta um exemplo: o PSD propõe, no seu desenho programático, a extensão do período de concessão do subsídio de desemprego, enquanto que a esquerda moderna socrática se fica unicamente por uma posição de reforço dos mecanismos de inserção profissional para desempregados não subsidiados. Não estarão, aqui, trocadas as sementes ideológicas? Ou mesmo o fim das taxas moderadoras para internamento e cirurgia propostas pelo PSD não será mais esquerda do que a sua aplicação? Ouvindo Paulo Portas, por vezes, não estarão, muitos eleitores tradicionalmente de esquerda, de acordo? Neste caso, a doutrina social da igreja, convenientemente orientadora do discurso de Portas, pode ser subscrita facilmente pelo PCP ou Bloco de Esquerda.
Daí que haja muitos órfãos políticos. Daí a pergunta de muita gente: em quem votar? É, desde logo, um belíssimo ponto de partida. Quer simplesmente dizer que o chamado centrão político se está alargando cada vez mais, chegando mesmo às pontas, sejam estas de esquerda ou direita. Quer também dizer que já não há uma fidelização religiosa do voto. Ainda bem.
Por isso, Boaventura Sousa Santos seleccionou, no seu artigo, dois votantes de esquerda: o relutante-desiludido e o relutante-esperançado. No entanto, desenvolve a sua perspectiva teorética num sentido unívoco: ambos continuam a votar PS. Mesmo que o primeiro se sinta, agora, desiludido com a incapacidade demonstrada por uma maioria de esquerda em edificar bandeiras políticas verdadeiramente socialistas, as quais vão ao encontro duma perspectiva essencialmente garantista do Estado no que diz respeito ao emprego, desigualdades, educação, saúde, etc., e o segundo se encontre ainda numa postura de esperança num governo que, mesmo com minoria, faça o que não fez com uma maioria parlamentar. Na minha perspectiva, todo esta base racional teria alguma razão de ser se o Partido Socialista, no seu último congresso, fosse suficientemente arrojado e apresentasse um novo candidato a primeiro-ministro. Aliás, é um erro decorrente dos partidos que estão no poder a ideia de que não devem refutar, do ponto de vista político, o chefe. Quem corajosamente o faz é, muitas vezes, achincalhado por aqueles que mais não fazem do que tratar da sua própria vidinha. Lembro-me, por exemplo, de Manuel Maria Carrilho quando praticamente o não deixaram discursar no congresso do partido em 2001, assobiando-o. O longo consulado de Cavaco foi também paradigmático nesse sentido, quando, ao longo de duas maiorias absolutas, foi secando, directa ou indirectamente, tudo o que pudesse germinar no interior do seu partido. O resultado ainda hoje se patenteia no interior do PSD. As vitalidades dos partidos são amplamente demonstradas principalmente enquanto estão no poder. Mas é sempre o contrário o que se passa. O poder acomoda. O poder inflama e enforma muitas almas bem intencionadas. Por isso, não sei se haverá muitos relutantes-esperançados socialistas. E os relutantes-desiludidos serão mais desiludidos que relutantes.

terça-feira, agosto 25, 2009

críticas educativas

Torna-se realmente relevante e patético o que o aproximar dumas eleições provoca na mente de algumas pessoas. Então quando essas mesmas criaturas são "altos e graves" responsáveis políticos, o caso pode mesmo roçar uma sintomatologia patológica. É o caso de Marcos Perestrelo. Para quem não saiba, Perestrelo escreve no Expresso e é candidato a presidente da Câmara Municipal de Oeiras. Consta também que é um dos homens de António Costa e, por inerência, do próprio PS.
Esta semana, o candidato esboçou, nas páginas do semanário, uma contundente crítica ao registo político seguido, durante toda a legislatura, pela responsável da pasta da educação, Maria de Lurdes Rodrigues. Sublinha mesmo que Lurdes Rodrigues foi uma obstinada e revelou uma "atitude hostil" para com os professores e que "deixou de ser possível devolver às escolas o clima de estabilidade necessário". Orienta também a sua narrativa para o próximo executivo, o qual deverá "encontrar uma nova forma de relacionamento recíproco entre o Ministério da Educação e os professores". Mais: refere que faltou coragem ao ministério "para voltar atrás na divisão da carreira em titulares e não titulares".
Fico, pois, perplexo. Penso mesmo que José Sócrates deveria propor Perestrelo para ministro da educação caso ganhe as eleições. Os professores devem assim estar atentos ao que o sr. Perestrelo vai debitando por estes dias. Pode ser que algum mude na hora do voto. Em Oeiras, pelo menos, o comentador que todas as semanas se sentava na televisão e que muitas vezes enaltecia exageradamente todo o procedimento político de Lurdes Rodrigues já ganhou.

segunda-feira, agosto 17, 2009

coligações e democracia

Com quem coligar? Tem sido esta a interpelação que paira, com maior realce, na atmosfera política desta pré-campanha eleitoral. Continuará, estou certo, durante os quinze dias que antecedem o dia 27 de Setembro.
Com efeito, os partidos têm orientado os seus postulados normativos e discursivos neste pressuposto coligativo. Uns mais envergonhados que outros. Neste sentido, o PS parece ser o que se encontra em situação mais periclitante e confusa quanto a este tema. Se por parte do PSD se afigura como um passo natural o ajuntamento táctico com o CDS-PP, o Partido Socialista tem vindo a suportar as consequências da política que desenvolveu ao longo destes quatro anos e meio. Mais do que isso, toda esta improbabilidade de conciliação com a esquerda (Bloco e PCP) é fruto da indolente aceitação duma sobranceria desajustada que foi protagonizada por Sócrates e muitos (demasiados) ministros. É também verdade que existiram oposições internas, designadamente através do ex-candidato à presidência da República Manuel Alegre. Todavia, a aquiescência relativamente ao estilo Sócrates fez-se sempre ouvir mais alto. Mário Soares, estranhamente, desempenhou, a este propósito, um papel dúbio, ajudando, de certo modo, a implementação duma voz que pouco tem a ver com o PS em que ele próprio se revê. Assim, não faz realmente sentido José Sócrates predeterminar orientações de coligações à sua esquerda. Aliás, o próprio já deu conta desse paradigma ao afirmar, candidamente, que a única coligação que deseja é com o país. É que tanto Jerónimo de Sousa como Francisco Louçã já rejeitaram –e bem, a meu ver – essa possibilidade. Não fizeram mais do que ser consequentes com a acção política desenvolvida nesta legislatura.
Por outro lado, toda esta situação – assustadora para muita gente – revela também a maturidade da nossa democracia, com o Parlamento e partidos à cabeça. É que ao aceitarmos a ingovernação dum governo minoritário estamos a passar um atestado de menoridade à Assembleia da República, ao próprio regime e instituições republicanas. É mais difícil e complicado, ajuizarão alguns, governar um país com um governo que não tem um apoio maioritário no Parlamento. Poderá, efectivamente, ser assim. Mas também é certo que o timbre próprio duma democracia é a diversidade e o respeito pelos outros. Neste sentido, o que se me afigura como mais ajustado é precisamente a batalha diária e amadurecida que as diversas forças políticas desenharão nas três reuniões plenárias semanais e também nas respectivas reuniões das Comissões. É, com efeito, o que desde sempre se faz. Mas não deixa de ser verdade que toda esta panóplia laboral teria um cunho muito maior de co-responsabilização se fosse efectuada dentro duma necessidade imperiosa de governação. Ficaria, assim, tudo muito mais transparente e, possivelmente, ajudaríamos a transformar os partidos e a sociedade. Para além disso, a usurpação tardia de propostas legislativas, por parte do partido do governo, deixaria de fazer qualquer sentido.
Os partidos políticos enaltecem muitas vezes a maturidade da nossa democracia e a sabedoria do povo português. Neste sentido, não consigo vislumbrar melhor enquadramento aferidor do que, após esta última experiência de partido “demasiado” maioritário, optarmos por um outro tipo de governação de índole mais igualitária e co-responsável.

segunda-feira, agosto 10, 2009

política desacreditada

Não sei muito bem o que faz com que os políticos, de uma maneira geral, falem como se fossem uma espécie de damas virtuosas. Quando os ouvimos, independentemente da cor partidária, o que primeiro denotamos, na mensagem geralmente televisiva, é a postura séria, virtualmente cumpridora. Só depois somos capazes de decifrar a semântica da própria mensagem. Nos dias que correm, extraordinariamente audiovisuais, quem falhar neste primeiro pressuposto, não terá grandes hipóteses de ganhar o que quer que seja. É o que Manuela Ferreira Leite tem vindo a desenvolver, aparentemente com sucesso, de há um ano para cá. Até porque José Sócrates se encontra nos antípodas de uma postura de credibilidade. Daí que não se perceba muito bem a onda crítica interna que se levantou com a não inclusão, na lista de deputados, de alguns membros indicados pelas respectivas distritais. Pedro Passos Coelho terá sido, porventura, o afastado de maior relevo, até porque foi, como se sabe, um adversário da líder nas eleições internas do partido. Mas não tem, quanto a mim, razão na sua indignação (embora se lhe reconheça, naturalmente, legitimidade política), pois a postura do líder da Assembleia Municipal de Vila Real, aquando das eleições europeias, foi de uma inconcebível rejeição, a roçar muitas vezes o desprezo, no que diz respeito ao apoio à líder do seu partido. Preparava, pois, uma nova candidatura e as contas saíram-lhe torcidas. A sua reacção, ao afirmar que não fará campanha nestas legislativas, não é mais que um amuo tardio e acriançado.
Mas voltemos ao princípio: o potencial virtuosismo da mensagem política para nos determos em duas personalidades, as quais ocupam os mais altos cargos políticos da nação: o Presidente da República e o Presidente da Assembleia da República. O que fará, por exemplo, Cavaco Silva afirmar, de modo subliminarmente crítico (já uma espécie de imagem de marca), que os diplomas enviados para Belém pelo governo, neste final de legislatura, dariam para quase encher um bom jipe? As suas palavras foram objectivamente direccionadas e implacáveis: “Não me recordo de tantos diplomas. Penso que quase enchem um bom jipe”. É que, conforme revela o Expresso na sua última edição, foi Cavaco Silva, enquanto primeiro-ministro, quem mais diplomas enviou ao Presidente da República Mário Soares em final de mandato legislativo. Só nos dois meses finais do X Governo Constitucional (1985-1987), por exemplo, foram 119 diplomas, os mesmo que, em igual período de tempo, foram remetidos para Belém, na legislatura seguinte, já com maioria absoluta (1987-1991). Soares, segundo o mesmo jornal, não emitiu qualquer espécie de recadinho televisivo.
Quanto a Jaime Gama, basta lembrar a famosa polémica que criou, enquanto deputado, em 1992, quando chamou, de forma explícita, Bokassa a Alberto João Jardim (“não temos medo de nenhum Bokassa, nem do Bokassa madeirense”, virava-se o então deputado socialista para a bancada social democrata) para, há pouco mais de um ano, em visita à Madeira enquanto Presidente da Assembleia da República, pronunciar, adocicadamente, o seguinte: “Temos de reconhecer (…) que toda esta obra (…) tem um rosto e um nome e esse nome é o do Presidente Regional da Madeira (…) exemplo supremo da vida democrática”. Palavras para quê? Leva-as o vento, não é verdade?

segunda-feira, agosto 03, 2009

aquisições da pré-época

Não vou agora, nestas linhas curtas e esquecidas, falar de futebol. Mas o discurso pode ser naturalmente enquadrado no âmbito deste desporto. Refiro-me às proclamadas aquisições políticas que se avizinham. Já se sabe que existem presidentes de clubes que ganham eleições com promessas de determinados nomes famosos e prometedores. Futre foi um exemplo precoce, já há alguns anos, no Atlético de Madrid, desse modelo de gestão desportiva.
No quadro do próximo governo da República, que sairá das eleições de Setembro deste ano, foram já aventados alguns nomes, quais pontas de lança num qualquer clube de futebol, por parte de alguns partidos. Nesta perspectiva, o PS, na ânsia legitima de renovar o poder que conquistou há quatro anos e meio (a maioria é uma miragem cada vez mais distante) tem sido o partido mais determinado no assédio a personalidades de assumida notoriedade pública.
Neste sentido, Isabel Alçada, a popular escritora e co-autora da colecção “Uma Aventura” foi já um nome lançado pelo PS para gerir a política educativa do próximo governo. Independentemente de esboçar agora considerações sobre a prática educativa da ainda ministra da educação Lurdes Rodrigues (para quê substituí-la se tem sido tão boa? Ou então, por que razão não foi já demitida?), o que me apraz comentar, neste momento, diz respeito a este tipo de operações cosméticas, nas quaisl são despudoradamente lançados nomes para uma comunicação social ávida de não-acontecimentos, de não-notícias (a silly season afigura-se uma época propícia a este tipo de propaganda) sem o aval dos eventuais interessados. Neste caso concreto, Isabel Alçada afirmou mesmo que “nunca esteve ligada à política activa e que neste momento não faz sentido pensar [noutro tipo de] participação”. Parece por demais evidente que estamos perante uma espécie de nada. É também verdade, todavia, que no futebol também os jogadores interessados começam por negar tudo para depois aparecerem, sorridentes, com juras de abnegação e comprometimento comovedores (em política, o que parece é, dizia Salazar).
Um outro caso diz respeito ao assédio à ex-deputada do Bloco de Esquerda, Joana Amaral Dias. Mas aqui o caso afigura-se com contornos bem mais desviantes. É que não só o Partido Socialista lhe possibilitava ser a número dois pelo círculo de Coimbra, como também lhe oferecia, assim, sem mais nem menos, a presidência do Instituto das Drogas e da Toxicodependência. Ao que parece, Joana Amaral Dias não aceitou ambas as propostas, afirmando que “estes convites só fazem sentido quando são feitos pela tutela”. Sócrates deve, pois, estar já arrependido de ter delegado estes poderes reconciliáveis em Paulo Campos, um obscuro e apagado Secretário de Estado da Obras Públicas.
Não sei se outros partidos enveredarão por este caminho tão espumoso. Quanto ao PSD, alternativa assumida e natural ao PS no governo, o silêncio é a palavra de ordem, que também é uma imagem de marca da sua líder. Penso que faz bem. Para ruído, já basta o que temos.

segunda-feira, julho 20, 2009

o medo de antónio costa

Por muito que se critique Santana Lopes, não deixa de ter razão quando afirma que a recente coligação promovida por António Costa revela, antes de tudo, medo. Por outro lado, não compreendo por que razão é que, numa coligação autárquica, o candidato a presidente tem de ser sempre o do maior partido. De facto, seria uma extraordinária lição cívica e democrática se alguma vez o PSD ou o PS coligados com outros partidos de menor expressão eleitoral preterissem o lugar cimeiro. Já aconteceu uma vez, com Nuno Abecassis.

sexta-feira, julho 10, 2009

novas oportunidades

Lembram-se como foi lançado o programa Novas Oportunidades? Com alguns famosos – Carlos Queirós, Judite de Sousa, etc. – a fazerem de conta que eram caixa de supermercado ou o homem que limpa o que os outros sujaram depois de um jogo de futebol? Em todas estas personagens um traço comum: a tristeza do olhar, a revolta interior de alguém que não está bem consigo próprio, como se alguém que tenha um emprego destes esteja condenado a uma obscuridade interior inultrapassável. Mais uma vez, o marketing publicitário sobrepôs-se ao que deveria constituir o fundamento do programa, o qual, resumidamente, podemos afirmar que não é mais do que uma valorização das aprendizagens ao longo da vida. A técnica publicitária é, pois, a mesma do famoso Allgarve. Só que aqui é ao contrário (parte-se de uma situação de declarada inferioridade social, em que, por exemplo, o Allgarve só poderá ser sonhado). Não constitui, por isso, estranheza que o primeiro relatório de avaliação externa ao programa revele que há um alheamento por parte das pequenas e médias empresas aos novos diplomados do programa. Do mesmo modo, também não resulta em admiração as palavras da ministra, a qual não pode dizer muito mais do que isto: “é preciso tempo”.
Foi, portanto, a pior maneira de iniciar um programa louvável como as Novas Oportunidades. De um momento para o outro, os que se matriculavam faziam-no não pelas melhores razões, mas, antes, para o empregozito atrás duma secretária, que é sempre melhor do que andar com qualquer outro instrumento mais pesado na mão. “Sem o 9º ano não se faz nada, não podemos sequer concorrer para um emprego de escriturária(o)”, era o que mais se ouvia da boca dos formandos. Ninguém do ministério do extraordinário Pinho (que em boa hora circundou a sua cabeça com corninhos) e de Maria de Lurdes Rodrigues (um erro gravíssimo de casting) se lembrou que o programa Novas Oportunidades se destinava, principalmente, àqueles que são movidos pela curiosidade de aprender, precisamente aquela que desde sempre fez mover o mundo. Não importa que sejam jardineiros ou telefonistas ou empregadas de supermercado ou ainda bancários. Importa antes que são pessoas que querem aprender, utilizando um contexto muito preciso, o qual não anda muito longe do duplo sentido do sapere latino, isto é, saber e saborear. O resto é conversa de político. Mas daquele político que não tem na cabeça senão folclore.

quinta-feira, julho 09, 2009

o que é a União Europeia?

É com estas cimeiras G8 ou outros G's afins que me costumo interrogar sobre o que é realmente a União Europeia. Olho para a televisão e vejo um presidente da Comissão Europeia tristemente relegado para um extremo do grupo, mas que ainda tem uma aptidão de fundo que lhe permite esboçar um sorriso vaidoso sempre que um operador de câmara lhe direcciona o sinalzinho vermelho.
Olhando para estes encontros, haverá alguém que possa responder, com honestidade, à pergunta que titula este post?

quarta-feira, julho 08, 2009

manifestação dos estivadores

Uns senhores manifestaram-se hoje junto à Assembleia da República. São estivadores e temem pelos seus postos de trabalho. Não sei se são ou não apoiados pelos sindicatos. Se o são, também estes ficam muito mal na fotografia. É que quem assim protesta não tem razão. Se acaso a teve, já não a tem.

segunda-feira, julho 06, 2009

concurso de professores e a mentira

O que o secretário de estado da educação, o extraordinário Walter Lemos, afirmou hoje aos órgãos de comunicação social a respeito dos 30 mil professores que alegadamente foram colocados tem um nome: indecência. Na verdade, basta um olhar para as listas e facilmente se verifica que os professores que conseguiram um lugar em quadro de agrupamento (o novo quadro criado pelo ministério) não ultrapassam as cinco centenas. Daí que não perceba muito bem o destaque dado pelas televisões a esta mentira do secretário de estado.

o fenómeno ronaldo

Já houve outro fenómeno chamado Ronaldo, mas este nunca adquiriu uma projecção comunicacional tão afincada quanto o Ronaldo português. Este é, obviamente, um produto do marketing, o mesmo marketing que elaborou, por exemplo, o casal Beckam. Tive, no entanto, esperança que um dos telejornais portugueses não abrisse a edição com a notícia Ronaldo. Afinal, hoje dois polícias foram traiçoeiramente alvejados num bairro da Amadora, estando um deles entre a vida e a morte. Do mesmo modo, o Presidente da República vetou uma importante alteração à lei do Segredo de Estado, aprovada pelos dois principais partidos portugueses, na qual o chefe de Estado critica, primordialmente, a possibilidade da nova comissão parlamentar "poder determinar a desclassificação de quaisquer informações ou documentos sujeitos ao segredo de Estado". Era, pois, uma oportunidade magnífica de Portugal se afirmar pela ideia, pela razão, ao não abrir telejornais com a apresentação dum jogador de futebol, mesmo que esse seja português. Isso sim seria uma notícia que elevava o país. Mas esta minha utópica pretensão começou-se a desconstruir quando ouvi o extraordinário embaixador de Portugal em Espanha, realçando o seu orgulho e, também orgulhosamente, debitar uma quantidade enormíssima de imbecilidades, em que a última foi o de relevar que estaria, sim senhor, no Estádio Santiago de Barnabéu como - note-se - embaixador de Portugal. Penso que não é para isso que lhe pagamos e o Presidente da República teria aqui uma útil e pedagógica palavra a dizer.
O que na realidade me choca é a capacidade do ser humano para este tipo de coisas. A paixão é, de facto, impetuosa. Aquelas centenas de milhares de pessoas que esperaram horas a fio e que encheram as bancadas do estádio do Real Madrid são movidas pelo mesmo sentido de irracionalidade (ou, se quisermos, de fé) com que outras, em amplitudes diferentes, rastejam durante horas no chão frio e esmaltado do Santuário de Fátima. Pouco ou nada as distinguem, embora seja mais representada, na manifestação religiosa, uma componente introspectiva naturalmente maior e, portanto, mais profunda.
No caso de Cristiano Ronaldo, ninguém é capaz de parar para pensar numa coisa tão simples quanto isto: por que razão não somos nós, selecção de futebol, capaz de ganhar à Albânia e a outros países que não são duma primeira linha do futebol mundial? Ou estarmos com sérias hipóteses de não sermos apurados para o mundial de futebol? Onde cabe, nestas duas perguntas, o fenómeno Ronaldo? Ainda por cima não se pode dizer, com acontecia com Maradona, que a equipa é de segunda. Na verdade, Portugal tem, na selecção, jogadores que jogam nas principais equipas da Europa. Um jogador como o que foi hoje sumptuosamente apresentado no Santiago Bernabéu deveria ter qualidades suficientes para levar a selecção não só a ganhar a Malta, como também o campeonato do mundo de futebol. Mas eu presumo que sei por que razão isso não acontece. E volto, pois, ao princípio. Cristiano Ronaldo é o produto de um inteligente marketing desportivo, um boneco que se vende muito bem. E foi o boneco que o presidente do Real Madrid comprou, o jogador vem depois.

(publicado no jornal Público, em 10/07/09)

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vamos pela estrada e sentimo-nos bem. lá fora, o vento sopra, a neve cai, voam duas aves perdidas. eu sei que tenho de chegar a algum lugar...


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