domingo, setembro 28, 2008

supostos furos jornalísticos

Eu sei que Alberto Martins, quando abre a boca politicamente, fá-lo, normativamente, de forma evasiva e pouco clara a entendimentos directos, o que resulta, na maior parte da vezes, numa inocuidade de sentido verdadeiramente perversa. "É um político", dirão alguns, resignados com este tipo de procedimento, habituados a escutar o acostumado e oportuno laconismo desta classe profissional nas diversas comunicações ao povo português, seja através de conferências de imprensa, seja no Parlamento ou mesmo (principalmente) em entrevistas de maior ou menor extensão.
Todavia, retirar da entrevista que o líder da bancada parlamentar do Partido Socialista concedeu ao programa Diga lá Excelência (Rádio Renascença e Público) uma espécie de furo jornalístico que a imprensa titula de alterações políticas (com maior ou menor grau de variabilidade enfática) entre Cavaco Silva e a maioria socialista é um passo que só um jornalismo pouco sério consegue empreender. É que as alterações políticas resumem-se, tão somente, a dois vetos presidenciais, de manifesta importância, os quais têm que ver com variantes marcadamente (in)constitucionais e de correlação entre diversos órgãos de soberania (Estatuto dos Açores) e também com outro tipo de agendamento político - este de feição mais social (embora de importância constitucional igualmente relevante) - que é a Lei do Divórcio, cujo delineamento preconiza mudanças que, não sendo radicais, implementariam um novo paradigma nas relações matrimoniais que avistam, na sua forma litigiosa, o seu término.
Na verdade, o que Alberto Martins reflectiu na entrevista foi que a relação constitucional funciona de "forma harmónica, equilibrada" e que houve divergências políticas entre Governo e Presidência a respeito destes dois casos. Ora, cada veto presidencial corresponde, naturalmente, a uma divergência política. Daí que se chame veto, isto é, proibição, recusa, suspensão (de uma lei) e que o mesmo seja uma prerrogativa constitucional do Presidente da República enquanto órgão de soberania último da autonomia nacional, que jurou cumprir e fazer cumprir a Constituição da República. Assim, se nos orientarmos por este tipo de sofreguidão jornalística, nomeadamente no que aos títulos da imprensa escrita e abertura de telejornais diz respeito, não fazíamos mais nada do que analisar, de forma deprimente, as "alterações políticas" entre as duas maiorias eleitas pelo povo português. É que Cavaco Silva já utilizou a arma da não promulgação e devolução dos diplomas ao Parlamento (o veto político) noutras questões socialmente relevantes. Só em Agosto do ano passado, Cavaco vetou por três vezes igual número de diplomas governamentais: a lei orgânica da GNR, o estatuto dos jornalistas e o diploma sobre a responsabilidade civil extracontratual do Estado. Não se falou, na altura, de alterações institucionais "delicadas" entre governo e presidência. No entanto, a pouco mais de meio ano de eleições legislativas, autárquicas e europeias, tudo serve para perscrutar sinais de divergências. Tudo isto não passaria de relevâncias fugazes se não se iniciasse, a partir de agora e até Junho ou Julho, um acompanhamento delirante de todas as mensagens políticas originárias de ambas as partes. Infelizmente ou não (os jornalistas encontram-se, sem sombra de dúvida, nesta última hipótese), não falta ao governo porta-vozes do disparate. Pelo outro lado - o lado presidencial - a companhia também não é famosa, se tivermos em conta as vozes que se alevantam sistematicamente de forma contraditória, em que Manuela Ferreira Leite, no seu perfil cavaquista, se empenha em não criar ondas de choque com o seu presidente. Resta-nos a nossa própria capacidade de discernir o que é ou não relevante na mensagem política sabendo que, muitas vezes, políticos e jornalistas andam, ardilosamente, de braço dado.

sábado, setembro 27, 2008

as casas da sorte em lisboa

Parece-me evidente que a recente polémica da atribuição de casas (pertencentes à Câmara Municipal de Lisboa) a tudo quanto é cunha está para durar. Pelo que leio, pelo menos desde há 20 anos existe uma espécie de tradição, a qual se resume à distribuição de casas inseridas no estranhamente chamado "Património Disperso" da autarquia. Estas habitações, que vão desde palácios (?!), vivendas (!), apartamentos, lojas e armazéns, estavam, no que às habitações diz respeito, destinadas a motoristas, directores e outros empregados da Câmara. A média da renda mensal é de 35 euros. Sendo um esquema assim tão simples, ainda para mais à luz da lei, não é de estranhar que estas abençoadas regalias ultrapassassem, em muito, o fim para que estavam destinadas e passassem a abranger uma espécie de hereditariedade auto-proclamada por quem usufruía das casas. Para além disso, não entendo como é que, por exemplo, um indivíduo que desempenha o decerto estimulante cargo de Director do Departamento de Apoio aos Órgãos Municipais necessita deste estímulo camarário. Possivelmente, o senhor director até vive numa outra casa em Lisboa, não necessitando da que lhe foi ofertada através duma módica quantia mensal. Por isso, como a renda é tão simbólica para os seus bolsos, e como tem um filhote em idade emancipadora, nada mais natural que atribuir a casa que lhe foi atribuída ao seu já crescido rebento. Isto e outras particularidades afins, duram há décadas, em Lisboa.
Mas como os estudos e as investigações encaixam bem nestas coisas, Manuel Damásio, professor da Universidade Lusófona, efectuou um "levantamento exaustivo (Expresso) do património disperso da Câmara Municipal de Lisboa. A conclusão não podia ser mais cómico-trágica: a Câmara não sabe do que é dona.
Perante isto, será legítimo apontar acusatoriamente o dedo a alguém? Provavelmente sim. Vamos ver.

a aparição de Sarah Palin numa cerimónia religiosa

É por estas coisas que os media e alguns comentadores encartados se pelam. Anda a circular no espaço internauta um vídeo em que se vê a candidata a vice-presidente dos EUA numa cerimónia religiosa. Ao que parece, o momento religioso é muito específico: uma espécie de exorcização fantasmagórica em que a comunidade cristã do Pentecostes é fértil. A minha questão, neste âmbito crítico, é simples: qual o problema? Por acaso alguém se revolta quando vemos ritualizações de outros cultos (por exemplo, da igreja católica)? Isto de olharmos umbilicalmente nunca fez bem a ninguém. Se a senhora Palin, no direito que lhe assiste de praticar um determinado culto religioso, se depara com um qualquer e significativo ritual, o que tem a fazer é cumpri-lo, se eventualmente essa ritualização lhe espairecer a alma. É que nestas coisas de Pai, Filho e Espírito Santo não pode haver uns melhores que outros.

quinta-feira, setembro 25, 2008

mudar de vida, segundo marques mendes

Não sei se Marques Mendes, o ex e efémero líder do PSD, mudou de vida. Provavelmente sim. O que eu sei é que nada como sair da política para se ser ouvido e respeitado... politicamente. Mesmo que esse regresso esteja nebulosamente imbuído de banalidades como quando afirmou, na apresentação do livro repleta de "altas" personalidades, que "o debate político em Portugal é bastante pobre, é muito táctico, muito conjuntural, muito imediatista". Como é que Marques Mendes, num ano de retiro empresarial, aprendeu tanto?

o casamento homossexual

Desde que Manuela Ferreira Leite discorreu sobre a sua teoria na qual afirma que todo o casamento visa a procriação, este tema (com as suas variantes) tem se tornado um ponto de discussão incontornável. Daí que, em volta do casamento entre pessoas do mesmo sexo se tenha ouvido, por parte de todos os partidos, com a esperada excepção do Bloco de Esquerda, as mais variadas orientações. Uma delas é a aceitação do pressuposto matrimonial, mas sem a possibilidade do casal adoptar uma criança. No entanto, parece-me evidente que este juízo carece de bom senso, senão mesmo de constitucionalidade. É que todo o casal tem o direito da adopção. Daí que não podemos ser modernos (seja lá o que isso represente) para aceitarmos que dois homens ou duas mulheres jurem, sob a alçada da lei matrimonial, amarem-se para sempre e, por outro lado, retirar uma dos mais nobres direitos que a própria lei confere a um casal: a educação de uma criança.

quarta-feira, setembro 24, 2008

o motivo afectivo de sócrates

Ficámos a saber que a cidade de Guimarães foi escolhida para a "reentrée" política do PS por motivos afectivos relacionados com o primeiro-ministro, visto que foi pelo círculo de Braga que foi eleito, pela primeira vez, deputado. Nada de relevante a dizer sobre este facto se tal não implicasse uma linha apoteótica de deificação do líder e, consequentemente, a construção paulatina de um apaziguamento partidário.

terça-feira, setembro 23, 2008

o discurso de josé sócrates em guimarães

Muito se falou do discurso que marcou a “reentré” política do Partido Socialista, em Guimarães, e que teve como principal figura José Sócrates. Eu disse principal figura? Na verdade, o primeiro-ministro lembrou-se de levar para o púlpito socialista (onde milhares de pessoas, vindas de autocarro de todo o país, aguardavam, ansiosamente, a mensagem ministerial) a Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, como símbolo maior destes quase quatro anos de governação maioritária. Para mim, foi este o facto de maior relevância no assomo socrático. O resto, foi um enchimento retórico, sem qualidade conteudística de alguma espécie, destinada a um bater de palmas quase programado, seguido, aqui e além, de uns ululantes e estridentes assobios.
À direita e à esquerda, Sócrates não deixou de espicaçar os adversários, com particular destaque para as questões sociais, designadamente o PSD que, com a sua tendência genética (ainda mais) liberal, poderá colocar em causa uma vitória nas próximas eleições. Daí as frases, venenosas: “queremos uma segurança social pública. É aqui que está a fronteira entre a esquerda e a direita, uma diferença social”! E quanto aos partidos de esquerda, que acusam José Sócrates de conduzir o país precisamente através da cartilha neoliberal (o que cola, inevitavelmente, o PS ao PSD), o orador não perdeu muito tempo, tudo em nome da modernidade, isto é, da esquerda moderna com que saiu vitorioso em 2005.
Só que foi muito mal aconselhado quando lhe disseram que a melhor companhia ministerial que podia ter em palco era Maria de Lurdes Rodrigues. Porquê? Tão simples quanto isso: a ministra da Educação espelha o que de pior tem vindo a ser feito, ao longo destes anos, na área educativa (sinceramente, pensava que tal não fosse possível). Mais: falando de uma esquerda social, José Sócrates levou para Guimarães uma ministra que tem demonstrado um longo e horripilante autismo nesta área. Basta lembramo-nos o que têm sido as suas declarações aos vários protestos dos professores a respeito, por exemplo, da questão da avaliação e da divisão absurda que foi a invenção de patamares profissionais. Ou o modo como aborda a questão dos professores contratados há longos e desesperantes anos. Por isso, as palavras laudatórias e tontas de José Sócrates à ministra, nas quais chega mesmo ao ridículo de sublinhar que “sem a determinação e coragem da ministra, não teríamos os resultados que podemos apresentar” e que “nós, socialistas, é que temos orgulho em tê-la como nossa ministra”, são reveladoras que entre a esquerda retórica (que ele, paradoxalmente, satiriza) e a “esquerda de acção” (auto-elogio socrático) vai, de facto, um grande e descomplexado passo.

sexta-feira, setembro 19, 2008

pcp e constança cunha e sá

Constança Cunha e Sá traça, no Público de ontem uma panorâmica do Partido Comunista que reflecte bem a posição da autora relativamente a este partido. Diz ela que "Jerónimo de Sousa reduziu o debate ideológico aos problemas concretos dos portugueses", para, de certo modo, "provar" o crescente aumento eleitoral do PCP. Mas depois remata com o seguinte: "Pode-se dizer que a necessidade de controlar o défice, o arranque de algumas reformas e o progressivo esvaziamento dos direitos adquiridos é um terreno fértil ao crescimento do PCP e à demagogia de grande parte das suas propostas".
Anoto o "grande parte das suas propostas", pressupondo que a autora aceita que outra "grande parte" não esteja marcada de pecadilhos demagógicos. Ora, não sei muito bem o que Constança Cunha e Sá entende por ideologia. Para mim, o PCP tem mantido uma coerência ideológica ao longo dos anos. Porventura, é essa visão um tanto estática que faz com que nunca tivesse estado (tirando os efémeros anos pós-revolucionários), verdadeiramente, no poder. Para além disso, quando a jornalista se refere aos problemas concretos dos portugueses que o Partido Comunista aponta (código de trabalho, insegurança, precariedade laboral, etc.) não estará a sobrelevar a ideologia do próprio partido?

quarta-feira, setembro 17, 2008

o estranho caso da mulher de gonçalo amaral

Veio-me parar às mãos que teclam neste computador o escrito que a Sr.ª D.ª Sofia Leal, que é mulher do ex-inspector da judiciária que tutelou o caso da menina inglesa desaparecida, escreveu nas páginas do Correio da Manhã. Na verdade, não é muito comum este tipo de achados. Um pouco (um naco, como diria António Barreto) dessa prosa: "As nossas filhas nunca compreenderam – e nós nunca conseguimos explicar-lhes que ‘motivos tão óbvios’ seriam esses que assim [com um afastamento imediato da investigação do caso Maddie] premiavam um pai que deixava as suas filhas para procurar uma criança que nem sequer conhecia e cujos pais a tinham negligenciado. Pena foi que a minha cara amiga Srª Dª Kate, já cá não estivesse à data, porque até poderia ter-nos sido de grande utilidade na tentativa de explicação dos ‘motivos óbvios’ da demissão do pai às nossas filhas..."
Bem, tanta piroseira e falta de bom-senso não merece grande contraditório. Seria o mesmo que questionar a Sr.ª D. Sofia por que razão os professores aturam as suas filhas e deixam os seus próprios filhos em casa, por vezes uma ou duas semanas. Ou os médicos. Ou os trolhas. Ou os juízes. Ou... Será mesmo verdade que por detrás de um grande homem está sempre uma grande mulher?..

um pouco de ética republicana

Peço emprestado (sem autorização) o texto de Baptista-Bastos hoje no DN na reflexão que construiu a respeito da recusa do ex-presidente da República Ramalho Eanes em receber os retroactivos (mais de um milhão de euros) a que tinha direito respeitantes à sua reforma como general.

a esquerda bloquista

É por estas e por outras que olhamos para o Bloco de Esquerda e vemos cada vez mais um agrupamento que se define de esquerda porque sim. Vem isto a propósito das declarações de João Semedo, deputado do partido, ao criticar o PCP por seguir uma política de extrema-direita. Tudo porque os comunistas, através do seu líder Jerónimo de Sousa, ousaram (o verbo encaixa aqui na perfeição tendo em conta as particularidades encefálicas do senhor deputado) esgrimir, no comício de encerramento da festa do Avante, um argumentário dedicado à questão da insegurança. Ora, como na cabecinha dos bloquistas (jovens e velhos) insegurança, polícias, criminalidade e outros temas afins são de direita, o tom comunista constitui, para a trupe, um verdadeiro sacrilégio. Eu sei que o Bloco foi constituído como um partido de ideias, conscientemente fora do arco governativo. Mas esta idiossincrasia não deve ser tubular. Um partido político deve ser, por definição, aberto, transparente, anti-tabus. Com certificadas paredes de vidro.

terça-feira, setembro 16, 2008

a escolaridade obrigatória

Tive inclinado para, desta vez, desculpar a Lurdes Rodrigues, ministra da educação. Com efeito, pretendia inverter o meu discurso crítico direccionando-o para os jornalistas, que inventam guerras entre estes e aqueles. Seria o caso da suposta discordância entre Cavaco Silva e Lurdes Rodrigues, quando aquele afirma, de modo categórico, que o alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12º ano será uma inevitável realidade a curto prazo. Até que leio com mais atenção as declarações da responsável governativa: "[a escolaridade até ao 12º ano] seria um erro, prejudicaria as famílias e os alunos e não se conseguiria concretizar".
Acontece que a meta dos doze anos de escolaridade obrigatória sempre foi um entendimento aparentemente consensual entre os diversos intervenientes políticos. Mas foi preciso esta excitação toda em torno desta coisa que se chama Novas Oportunidades (não tenho, teoricamente, nada contra, antes pelo contrário) e afins para Lurdes Rodrigues inverter o seu discurso. Afinal, para quê a escolaridade obrigatória até ao 12º ano se tudo está a correr tão bem, em que o abandono precoce não é mais do que uma etapa de vida dos discentes. Até porque muitos destes conseguem o feito extraordinário de estarem simultaneamente fora e dentro do sistema educativo.

falência do lehman brothers

Confesso a minha inoperância relativamente aos mercados financeiros globais. Mas o que desejava saber é como é que um banco - o quarto maior banco de investimento dos EUA - que teve, em 2007 (há um ano!) o melhor ano de sempre da sua centenária história (o banco foi fundado em 1958), com receitas, lucros e capitalização bolsista extraordinárias, consegue iniciar um processo de inevitável e aparentemente irrecuperável crise financeira. Parece que atrás deste vêm outros (da área financeira ou não, como parece estar a ser o caso da multinacional informática HP, com um despedimento global de dezenas de milhares de trabalhadores). Desafortunadamente para a Lehaman Brothers, as autoridades federais norte-americanas não iniciaram um processo de solvência financeira, o que fizeram com as congéneres Bear Stearns, Indymac, Fannie Mae e Freddie Mac. Advertidamente, terão chegado a um ponto de não retorno no que diz respeito à intervenção do estado em operadoras financeiras com grande capacidade de intervenção à escala global (estaríamos, assim, perante uma paulatina e desconcertante nacionalização ou, na melhor das hipóteses, no início de uma aproximação ao regime chinês, que convive - aparentemente sem problemas - com a junção de dois sistemas teoricamente incompatíveis: o comunismo com o capitalismo).
O problema é que, ao contrário dos cidadãos comuns que, por motivos que lhes são extrínsecos, entram igualmente em colapso financeiro e social (perda de emprego, de auto-estima, etc.), os administradores que conseguiram este feito extraordinário nunca se verão a braços com este tipo de problemas. Uma falência, para eles, não é mais do que um encerramento definitivo no que diz respeito à labuta financeira (bolsa, banca, etc.). Nunca saberão o que é andar perdidos no meio de gente, a pensar no que irão dar de comer aos filhos dentro de duas ou três semanas. No fundo, é este tipo de "humanização", este tipo de "integração social" que mais falta faz ao paradigma neo-liberal que vivemos hoje em dia. No dia em que esta gente sentir as dores do cidadão comum, será este o dia em que o capitalismo selvagem que nos gere se transformará num outro tipo de orientação paradigmática. E este pressuposto pode muito bem ser estendido aos políticos. Afinal, são eles que prescindiram, encruamente, do primado da política em relação à economia.
Lamentável e infelizmente, a factura vem aí, seca e irrepreensível, na forma de juros e empréstimos por pagar. Consequentemente, as prisões (preventivas ou não) continuarão a aumentar. Só que os outros, aqueles que não têm empréstimos por pagar, causadores primeiros do desacerto económico, andarão sempre por aí, num "outro ramo" ou numa qualquer ilha do pacífico, a passar umas longas e imprudentes férias. Tudo em nome da filosofia do mercado global, que é mais ou menos dizer em nome do salve-se quem puder. E quem não puder, paciência.

estado condenado a pagar a pinto da costa

É o mesmo que se passou com Pedroso: uma decisão de primeira instância veio a ser anulada por um tribunal superior. Deste modo, o meu pensamento vai não para estas duas personalidades bafejadas por uma existência capaz de combater as injustiças que a justiça por vezes proporciona, mas para os outros, para aqueles que ficam à mercê de um qualquer juiz aligeirado que proporciona amiudadas vezes sentenças que reflectem não só a presença do magistrado, mas, sobretudo, o espelho da própria justiça.

quarta-feira, setembro 10, 2008

josé sócrates e a educação propagandística

Não sei se o homem trabalha somente para as estatísticas ou se é um especialista em propaganda. O que eu sei é que, por vezes, parece que exagera na sua própria orientação comunicacional (própria ou de alguma agência de comunicação). Vem isto a propósito das recentes declarações que o primeiro-ministro esboçou a propósito da diminuição das retenções nas escolas públicas. Assim, José Sócrates disparou, empolgado: "ao logo destes anos, fizemos mudanças nem sempre bem compreendidas, mas que hoje permitem que aos olhos da opinião pública os professores e a escola sejam mais bem vistos".
Ora, é este sentido obscuro e patético de missão inicialmente "mal compreendida", como se a verdade absoluta residisse nos gabinetes da 5 de Outubro (ideia que, por si só, dá vontade de rir), que faz com que Sócrates resvale, amiudadas vezes, para o ridículo. Na verdade, se existe profissão que desde sempre foi "bem vista" pelos portugueses é precisamente a dos professores. Do mesmo modo, falar desprendidamente de "opinião pública" é simplesmente irrelevante. Por outro lado, podíamos aventar aqui um número considerável de profissões que são "mal vistas pela opinião pública" e que, se nos guiarmos por este paradigma, revela-se mais fácil responsabilizar, negativamente, o governo. No fundo, chama-se a isto brincar com a educação.

(publicado no Público em 11-9-2008)

terça-feira, setembro 09, 2008

o futebol

O estado patológico que se desenvolve hilariantemente em torno do futebol português é deveras interessante. Eu propunha, desde já, um estudo de psicologia clínica em torno destas pessoas: dirigentes, jogadores (os mais acertados no meio de tudo isto), jornalistas e... comentadores. O jornal de hoje da SIC (presumo que o mesmo se passou nas outras estações) noticiou um furo jornalístico que foi a suposta agressão do jogador Dominguez do Futebol Clube do Porto ao Nuno Gomes, do Benfica. Seguidamente, repôs na emissão do telejornal o debate que aqueles três senhores (um do Porto, chamado Aguiar, outro do Sporting, que parece que é irmão da líder do PSD, e outro do Benfica, que é marido da jornalista Judite de Sousa) empreenderam em torno desta questão. Eu, que não sou cego, vi as imagens e só quem não percebe nada de desporto é que consegue vislumbrar uma agressão mútua entre os jogadores. Mas também não é isso que verdadeiramente me interessa. O que acho lamentável é o tempo que o futebol ocupa nas nossas vidas e que estes senhores (doutores, como convém) sejam pagos para dizer banalidades. Mas a maior insensatez de todas manifesta-se mesmo naquela massa de pessoas que os escuta.

respublica

Por pouco não roubavam o nome a este blogue. De qualquer maneira, Manuel Alegre já tem onde afundar as mágoas. Pelo menos, ninguém pode acusar o PS de não dar voz aos críticos. Têm é que o fazer nos locais próprios!... Que maçada!...

o Estado a dar a mão

Começa a ser uma espécie de inevitabilidade a caridade que o Estado tem demonstrado a gigantes económicos nos mais diversos sectores. Desta vez foram as imobiliárias Fannie Mae e Freddie Mac, nos Estados Unidos. Teorias não faltam. Há quem defenda, no meio de tudo isto, mais mercado e mais liberdade económica. Será mesmo?... Eu acho que não. Por mais que a ideia custe aos propagandistas deste capitalismo desregrado, o que faz falta, a estes senhores, é justamente a mão do Estado... antes da asneira feita.

domingo, setembro 07, 2008

o silêncio e o discurso de manuela

Tenho pena de não ter ouvido e visto o discurso de encerramento de Manuela Ferreira Leite na Universidade de Verão do PSD. Porém, li o que a imprensa começou, desde logo, a esboçar. E nisto o que interessa é começar. Aparece um comentador e começa a zurzir na candidata, nomeadamente naquilo que foi o leitmotiv do seu registo discursivo. Depois, há um encadeamento de críticas, as quais não se deslocam dum ponto de vista predeterminado. No caso em questão, não era preciso ser-se bruxo para vislumbrarmos a inevitabilidade das críticas a que a líder do PSD se sujeitou. Mas sejamos justos: a responsabilidade primeira pertence, essencialmente, à própria, principalmente com a criação dessa imagem esfíngica, à Cavaco Silva, imagem essa que acaba sempre por resultar num vazio para quem espera alguma coisa deste tipo de pessoas. Veja-se a desastrosa comunicação de Cavaco Silva ao país sobre os Açores (alguém se lembra do tema?) e o que disseram os opinion makers da nossa praça, excepção feita, é claro, ao interessante sectarismo do Vasco Graça Moura e do Pacheco Pereira. Por isso, Manuela Ferreira Leite não podia escapar ao crivo implacável dos críticos. Neste sentido, a questão que se deve colocar é, pois, a seguinte: foi mau o discurso de Manuela Ferreira Leite? É evidente que não. Mais: o que Manuela Ferreira Leite disse em Castelo de Vide foi precisamente o que todos queriam ouvir, pois foi claramente um discurso de oposição. Abordou a economia, a segurança, a competitividade focalizada essencialmente nas pequenas e médias empresas, o endividamento a prazo do Estado, criticou os políticos que se movem por interesses pessoais em vez de olharem com nobreza para a política como uma causa exclusivamente pública (o que deve ser abertamente combatido através dum tipo de discurso que vá ao encontro das pessoas) e, como não podia deixar de ser, desenvolveu a temática do emprego através de frases tão embusteadas como "é no emprego que a política económica que defendemos melhor mostrará os seus resultados". De qualquer modo, o governo maioritário de José Sócrates consegue o incrível feito de colocar na boca de Manuela Ferreira Leite, ex-ministra das Finanças e ex-ministra da Educação, a dama de ferro portuguesa, as seguintes palavras: “o Governo confunde autoridade com autoritarismo”. Confesso que fiquei confuso e desejei, desde logo, a vitória dessa senhora em Junho ou Julho do próximo ano. Mas depois, mais lúcido, pensei que nestas coisas os melhores discursos são, por norma, os da oposição. E é nesta contextura que gostei também de ouvir Jerónimo de Sousa na festa do Avante.
Por isso, falar de logro político quando se critica a "reentrée" de Manuela Ferreira Leite é desaguar, desavergonhadamente, no espaço do logro jornalístico. O que se passa é que tanto Manuela como Sócrates já não conseguem qualquer tipo de transformação social no país. Nenhum deles é capaz de se deixar de retóricas economicistas (compreendo, finalmente, o desabafo de Clinton "it's the economy, stupid") e pregar simples. É o que, no fundo, todos queremos ouvir: a evidência dum linguajar simples e cintilante. São poucos os que o conseguem.

(publicado em A Voz de Trás-os-Montes em 11-9-2008)

sexta-feira, setembro 05, 2008

o regresso de paulo pedroso ao parlamento

Paulo Pedroso tem todo o direito de regressar ao lugar de deputado. Acontece que este regresso tem alguma coisa de forçado. Alguma sede de protagonismo. Não seria mais sensato esperar pela próxima legislatura? Por outro lado, este unanimismo que paira, tonitruante, em redor da sentença que condenou o Estado português a indemnizar o ex-ministro também não em parece normal. Cheira tudo a propaganda. Ou não tivéssemos a ser regidos pelo mestre da coisa. Convém notar que, no fundo, Paulo Pedroso, é um indivíduo com sorte. Quantos Pedrosos não haverá por aí que não têm a fortuna que o deputado do PS, ex-funcionário do governo na Roménia usufruiu?

quarta-feira, setembro 03, 2008

a indemnização de pedroso

Em primeiro lugar, concordo com Paulo Pedroso quando afirma que era um imperativo ético processar o Estado por danos patrimoniais e morais relativamente ao processo que contra ele se ergueu no denominado caso Casa Pia. De qualquer modo, a minha posição, aqui expressa, mantém-se. Ou seja: não devemos esquecer que este mesmo Estado processado acomodou, condignamente, o antigo deputado do PS na Roménia. Já que falamos em valores e em ética, exemplar seria Pedroso ter recusado a oferta do governo enquanto o seu estatuto acusatório não terminasse.

madail mandatado para escolher futuro presidente do CJ

Este é um dos posts em que o título se revela suficientemente esclarecedor e também suficientemente hilariante. E eu pensava que Gilberto Madaíl já não era presidente da Federação Portuguesa de Futebol!

terça-feira, setembro 02, 2008

josé sócrates e a arte na reconstrução de escolas

Não pude deixar de esboçar um sorriso malicioso quando ouvi o nosso primeiro-ministro abordar, categórico, o estado calamitoso de muitas das nossas escolas. Ele tem razão. O parque escolar é, na generalidade, vergonhoso. Mas o meu esgar de encantamento não se deveu à prolixidade expressa por Sócrates. Na verdade, quando referiu que a ideia da requalificação destas escolas não é apenas tapar buracos, "mas sim reconstruir as escolas, o que exige talento e génio porque não se trata de fazer uma escola nova trata-se de reconstruir uma escola" e que as instituições de ensino "têm uma cultura, um espírito que é preciso respeitar e uma identidade e uma natureza", lembrei-me das casas que ele projectou lá para a Covilhã. De facto, o engenheiro José Sócrates tem em muito boa conta a cultura e o espírito beirão.

josé sócrates e a educação

"Muitos gostariam que o Estado contratasse mesmo que não precisasse deles, mas não é essa a nossa visão. O tempo da facilidade acabou."
Penso que deveria acabar esta frase, proferida hoje pelo primeiro-ministro num contexto claramente educativo, com um ponto de exclamação, tal foi o ímpeto coloridamente tonitruante com que José Sócrates a apresentou, perante as câmaras das televisões (sem casaco, ainda por cima). Eu, que observei toda a pantomina, fiquei muito triste e perplexo ao ouvir o primeiro-ministro (e a desesperante e ofegada ministra da educação) falar assim dos professores que não conseguiram colocação e da educação em geral. Nem a Manuela Ferreira Leite faria melhor. Ou estarei enganado? É que este tipo de registo discursivo está ao nível do que a líder do PSD disse sobre o casamento e a procriação e que José Sócrates, ressabiado, tanto criticou, isto é, ambas as declarações encerram um conservadorismo nefando.
Quero acreditar que há mais vida para além destes dois.

(publicado no jornal Público em 9-9-2008)

futebol

A ser verdade a notícia que o Manchester City oferece 165 milhões de euros por um jogador, que por acaso é o Cristiano Ronaldo, é mais um passo para a desacreditação do futebol. Explicando: um milionário muito milionário determina que a melhor maneira de passar os seu entediantes dias é comprar um clube de futebol. Como tem muito dinheiro, resolve fazer uma equipa: contrata alguém que contrate um treinador para este escolher vinte e tal jogadores. Mas como o milionário gosta de diversão e tem vontade de protagonismo pensa que os holofotes só lhe podem cair em cima se contratar os artistas. E ele, como gosta daquelas fintas e malabarismos que o Cristiano prodigiosamente desenha, opta por comprá-lo. E pronto. Ficamos todos muito felizes. Os senhores da televisão, que têm mais um herói, os adeptos do clube (somos os maiores!), e o Cristiano, que ainda não deve saber por que é que é considerado o melhor jogador do mundo (haverá galardão mais incoerente do que este, o de ser considerado o melhor jogador do mundo?).

em que é que ficamos, marcelo?

Acabadinho de aterrar de férias, Marcelo Rebelo de Sousa atira-se a Manuela Ferreira Leite, afirmando que "não está a mobilizar o partido” e que “mostra pouca ambição”. Mas, passadas mais ou menos 24 horas, arrependeu-se. E deu uma pequena volta ao sublinhar que o afamado silêncio da líder do seu partido "tem mais vantagens que inconvenientes". Confesso que já não entendo nem o Marcelo, nem a Manuela, e muito menos o Borges que falou hoje na Universidade do Verão do PSD. Estou mesmo propenso a crer que o único português que entende esta salsada é o Vasco Graça Moura (e o Pacheco Pereira, um bocadinho).

segunda-feira, setembro 01, 2008

o psd e a sua líder

Não está nada fácil ser-se líder do PSD hoje em dia. Se é verdade que a inédita maioria absoluta do Partido Socialista tem ajudado à desolação do partido fundado por Sá Carneiro, principalmente através dum líder (José Sócrates) que se podia muito bem afirmar como uma espécie de fiel depositário ideológico-político da família social-democrata em Portugal (e não da Europa, por que já se encontra ocupada pelo PS), não é menos verdade que o resultado da debandada egoísta protagonizada por Durão Barroso, quando escolheu os firmamentos mais serenos de Bruxelas para dar continuação à sua projecção enquanto homem politicamente muito ambicioso (foi ele um dia que confessou à Ana Gomes que é o poder que o move), alterou por completo o panorama programático do partido que, em 2004, se encontrava no poder.
Primeiro, entrou quase pela “porta do cavalo” o previsível Santana Lopes (apesar da dose de imprevisibilidade que lhe é, enganadoramente, apontada). Durou pouco, como se sabe, o ministério santanista. Depois, foi o estridente e pouco cimentado Menezes. Os barões e as baronesas não descansaram enquanto não o enviaram, de novo, para Gaia. Finalmente, Manuela Ferreira Leite, a mais temível e esperada candidata a líder, ganhou, em Maio deste ano, as directas, mas apenas com 37, 67% dos votos expressos, o que quer dizer que não convenceu dois terços dos militantes do partido. Foi, portanto, a primeira desilusão (derrota) da líder. Mas o desencanto continuou. A pose demasiado austera, o silêncio sistemático de quem não tem nada de relevante a dizer, a colagem excessiva ao Presidente da República (que, em abono da verdade, é muito por culpa dos jornalistas, que se deliciam com este tipo de “fait divers” e intrigas políticas), as contradições que alguns membros mais chegados da sua equipa (António Borges, Rui Rio, por exemplo) têm vindo a desenvolver relativamente ao pensamento – exiguamente manifesto – de Manuela Ferreira Leite, o disparate que foi afirmar que o fim único do casamento é a procriação, tudo isto faz com que se comece legitimamente a conjecturar se a actual líder do PSD chegará inteira a 2009, isto é, às eleições do próximo ano.
Neste âmbito, podemos juntar a tudo isto a recente tomada de posição de Marcelo Rebelo de Sousa, ao não pactuar, ao contrário do que tem sido norma (através duma conferência), com a chamada reentrée política do PSD, a Universidade de Verão, realizada tradicionalmente em Castelo de Vide. Com efeito, se os remoques um tanto simplórios e recorrentes de Menezes (que disse que se manteria calado até às eleições, estabelecendo assim um perfil comportamental exemplar de um ex-líder) e Santana (que anda há já três ou quatro anos numa choramingueira crónica, do tipo “se fosse comigo o que não seria….”) não alteram grandemente o status quo do partido, o mesmo já não se passa com o actual comentador político (e também, recentemente, futebolístico) e ex-líder do PSD (convém não esquecermos que Marcelo foi um dos sólidos apoiantes de Manuela Ferreira Leite, ao ponto de colocar de lado a hipótese de ele próprio se candidatar a líder). Ainda para mais quando o sentido das suas palavras não permite grandes e variáveis conjecturas: está “muito preocupado com o PSD”, sublinhando que “Manuela Ferreira Leite não está a mobilizar o partido” e que “mostra pouca ambição”.
Ora, e retomando o já longínquo ano de 2004, notamos o tremendo (e já referido) erro de “casting” cozinhado por Jorge Sampaio e Durão Barroso, ao escolherem Santana para suceder na chefia do governo do actual presidente da Comissão Europeia. Como se sabe, o nome de Manuela Ferreira Leite foi várias vezes aventado nessa transferência de poderes ministeriais. Ou por recusa da própria ou por teimosia de alguém, o certo é que Santana alcançou o que, através do voto, nunca conseguiria.
Acontece que tudo isto faz de Manuela Ferreira Leite uma líder anacrónica. Eu explico: se havia altura em que se ajustava, à frente dum governo, uma personalidade como a actual líder do PSD, era precisamente aquando da escapatória de Barroso, até porque tinha já uma imagem paulatinamente construída (e constituída) através da passagem pelos governos de Cavaco Silva. Daí que a natural confusão (e desagrado) que a opção Santana fundamentou não tivesse cabimento no perfil mais competente e sério de Manuela Ferreira Leite (mesmo ente muitos socialistas).
O que se passa, neste momento, é que os portugueses olham para Manuela Ferreira Leite e vêem uma espécie de continuação socrática, alterando, de certo modo, o sentido diacrónico da política (Sócrates é muito mais novo que Ferreira Leite e com menos experiência governativa). Daí o silêncio desesperador da própria. O que (ainda) lhe vai valendo é que muita gente consegue interpretar de forma extraordinariamente divisível o seu pensamento, seja ele qual for.

(publicado na Voz de Trás-os-Montes em 4-9-08)

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vamos pela estrada e sentimo-nos bem. lá fora, o vento sopra, a neve cai, voam duas aves perdidas. eu sei que tenho de chegar a algum lugar...


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