segunda-feira, setembro 01, 2008

o psd e a sua líder

Não está nada fácil ser-se líder do PSD hoje em dia. Se é verdade que a inédita maioria absoluta do Partido Socialista tem ajudado à desolação do partido fundado por Sá Carneiro, principalmente através dum líder (José Sócrates) que se podia muito bem afirmar como uma espécie de fiel depositário ideológico-político da família social-democrata em Portugal (e não da Europa, por que já se encontra ocupada pelo PS), não é menos verdade que o resultado da debandada egoísta protagonizada por Durão Barroso, quando escolheu os firmamentos mais serenos de Bruxelas para dar continuação à sua projecção enquanto homem politicamente muito ambicioso (foi ele um dia que confessou à Ana Gomes que é o poder que o move), alterou por completo o panorama programático do partido que, em 2004, se encontrava no poder.
Primeiro, entrou quase pela “porta do cavalo” o previsível Santana Lopes (apesar da dose de imprevisibilidade que lhe é, enganadoramente, apontada). Durou pouco, como se sabe, o ministério santanista. Depois, foi o estridente e pouco cimentado Menezes. Os barões e as baronesas não descansaram enquanto não o enviaram, de novo, para Gaia. Finalmente, Manuela Ferreira Leite, a mais temível e esperada candidata a líder, ganhou, em Maio deste ano, as directas, mas apenas com 37, 67% dos votos expressos, o que quer dizer que não convenceu dois terços dos militantes do partido. Foi, portanto, a primeira desilusão (derrota) da líder. Mas o desencanto continuou. A pose demasiado austera, o silêncio sistemático de quem não tem nada de relevante a dizer, a colagem excessiva ao Presidente da República (que, em abono da verdade, é muito por culpa dos jornalistas, que se deliciam com este tipo de “fait divers” e intrigas políticas), as contradições que alguns membros mais chegados da sua equipa (António Borges, Rui Rio, por exemplo) têm vindo a desenvolver relativamente ao pensamento – exiguamente manifesto – de Manuela Ferreira Leite, o disparate que foi afirmar que o fim único do casamento é a procriação, tudo isto faz com que se comece legitimamente a conjecturar se a actual líder do PSD chegará inteira a 2009, isto é, às eleições do próximo ano.
Neste âmbito, podemos juntar a tudo isto a recente tomada de posição de Marcelo Rebelo de Sousa, ao não pactuar, ao contrário do que tem sido norma (através duma conferência), com a chamada reentrée política do PSD, a Universidade de Verão, realizada tradicionalmente em Castelo de Vide. Com efeito, se os remoques um tanto simplórios e recorrentes de Menezes (que disse que se manteria calado até às eleições, estabelecendo assim um perfil comportamental exemplar de um ex-líder) e Santana (que anda há já três ou quatro anos numa choramingueira crónica, do tipo “se fosse comigo o que não seria….”) não alteram grandemente o status quo do partido, o mesmo já não se passa com o actual comentador político (e também, recentemente, futebolístico) e ex-líder do PSD (convém não esquecermos que Marcelo foi um dos sólidos apoiantes de Manuela Ferreira Leite, ao ponto de colocar de lado a hipótese de ele próprio se candidatar a líder). Ainda para mais quando o sentido das suas palavras não permite grandes e variáveis conjecturas: está “muito preocupado com o PSD”, sublinhando que “Manuela Ferreira Leite não está a mobilizar o partido” e que “mostra pouca ambição”.
Ora, e retomando o já longínquo ano de 2004, notamos o tremendo (e já referido) erro de “casting” cozinhado por Jorge Sampaio e Durão Barroso, ao escolherem Santana para suceder na chefia do governo do actual presidente da Comissão Europeia. Como se sabe, o nome de Manuela Ferreira Leite foi várias vezes aventado nessa transferência de poderes ministeriais. Ou por recusa da própria ou por teimosia de alguém, o certo é que Santana alcançou o que, através do voto, nunca conseguiria.
Acontece que tudo isto faz de Manuela Ferreira Leite uma líder anacrónica. Eu explico: se havia altura em que se ajustava, à frente dum governo, uma personalidade como a actual líder do PSD, era precisamente aquando da escapatória de Barroso, até porque tinha já uma imagem paulatinamente construída (e constituída) através da passagem pelos governos de Cavaco Silva. Daí que a natural confusão (e desagrado) que a opção Santana fundamentou não tivesse cabimento no perfil mais competente e sério de Manuela Ferreira Leite (mesmo ente muitos socialistas).
O que se passa, neste momento, é que os portugueses olham para Manuela Ferreira Leite e vêem uma espécie de continuação socrática, alterando, de certo modo, o sentido diacrónico da política (Sócrates é muito mais novo que Ferreira Leite e com menos experiência governativa). Daí o silêncio desesperador da própria. O que (ainda) lhe vai valendo é que muita gente consegue interpretar de forma extraordinariamente divisível o seu pensamento, seja ele qual for.

(publicado na Voz de Trás-os-Montes em 4-9-08)

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