terça-feira, dezembro 22, 2009

fracturas

O período político é propício: um governo sem maioria; um parlamento com maioria oposicionista; um governo sem vontade de governar; um parlamento com vontade de riscar nos destinos imediatos do país. Tudo isto, como se tem vindo a afigurar evidente, resulta numa amálgama de tensões, discussões parlamentares, frases tonitruantes, em que o mais importante parece ser o significante e nunca o significado profundo. Cada passo de cada partido é meticulosamente medido, não numa perspectiva realista, isto é, tendo em conta os interesses profundos do país, mas numa óptica de umbilical, em que tudo não passa duma mera preparação para o merífico Março de 2010, em que a visão constitucional de novas eleições se coloca de forma efectiva durante sete meses. Daí que até lá vamos ver repetidamente cenas que não passam dum mero esticar de corda, de simples estratégias políticas, para ver quem está mais forte.O que se passou com a legalização do casamento entre homossexuais insere-se nesta onda provocatória. É certo que fazia parte do programa eleitoral do Partido Socialista. No entanto, este facto não pode servir de justificação para que se torne uma medida tão celeradamente admitida no nosso desenho jurisdicional. Com efeito, as pessoas não votaram PS tendo como único paradigma este ponto programático do partido. Pessoalmente, não me incomoda nada que pessoas do mesmo sexo, com uma relação sentimental qualquer, queiram sentir-se protegidos pelo regime legal em vigor, de forma a não se sentirem discriminados em aspectos tão importantes na nossa vida como a assistência a doenças, direitos sucessórios, etc. Acontece que a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, se tem um esteio igualitário merecedor, não foi suficientemente debatido na sociedade portuguesa. Já o mesmo não se passou, por exemplo, com outra questão fracturante que foi a legalização do aborto. Nesta perspectiva, o referendo impunha-se, tal como se impôs na interrupção voluntária da gravidez.Nestas questões civilizacionais, que mexem com os alicerces duma sociedade, o mais acertado é que seja ela própria, enquanto elemento capaz, racional e até emotivo, a decidir. Com um debate amplo e alargado, o problema da adopção entre casais homossexuais seria inevitavelmente debatido. Nesta perspectiva, o mais certo era não voltarmos tão cedo a isto. O que o governo e os partidos da esquerda parlamentar originaram, com o voto favorável ao chamado casamento gay, foi uma lamentável situação discriminatória, ao não permitir a adopção a estas pessoas. Como as coisas ficam, o que vai acontecer é muitos simples: adoptam primeiro e casam depois.

terça-feira, dezembro 15, 2009

o verdadeiro monstro

Foi já há algum tempo (em política o que parece é, deixa de se para tornar a sê-lo) que Cavaco Silva, então um putativo candidato presidencial (já em evidente preparação da sua candidatura) apelidou de monstro a despesa pública preconizada por um Orçamento de Estado de um executivo de António Guterres. Hoje, o monstro – esse monstro – deixou de ser ouvido. Talvez em silêncio ainda se consiga escutá-lo.
Vivemos num período de alta crispação política. No Parlamento – casa da democracia, do povo – não há praticamente sessão parlamentar em que não assistamos a um gotejar de ódios acumulados durante quatro anos de uma inapropriada maioria absoluta. Os deputados – os nossos representantes (desajustados representantes?...) – revelam aí a confiança que devemos neles depositar: em vez da criação de vontades, num período crítico da nossa história, optam por uma digladiação verbal cheia, com já referi, de acumulações pestilentas. Os jornais, as televisões e rádios agradecem. Na primeira audição da Comissão Parlamentar de Saúde, uma deputada do PSD chamou palhaço a um deputado do PS. Este respondeu-lhe com uma qualquer pacovice relacionado com o berço, a linha de Cascais, etc., sublinhando que os apartes, mesmo que insistentes, fazem parte da vida de um deputado. Nessa mesma Comissão, a Ministra da Saúde coloca as mãos na cabeça – o que lhe ficou muito mal – num sinal claro de suposta impaciência. O mesmo deputado do Partido Socialista, saindo da sua obscuridade política, teve depois direito, já num outro registo, a discorrer filosoficamente, como uma espécie de comentador político televisivo dos trabalhos parlamentares, afirmando (mais uma vez) o óbvio, isto é, o que tem vindo a ser constantemente martelado na imprensa: que o PSD deseja criar uma situação de instabilidade política que conduza à inevitável ingovernabilidade e à consequente queda do executivo. É surpreendente este tese. Se existe partido desinteressado, neste momento, em eleições, é o PSD, visto que vive um período de completo desnorte, podendo mesmo (e não é descabido este raciocínio) desaparecer enquanto força de alternância democrática. Os partidos, quando não se justificam, aglutinam-se em outros ou, simplesmente, desaparecem.
Andamos, pois, nisto. Contudo, há um outro país, um país que existe fora destes pitorescos episódios parlamentares. Esta semana um jornal nacional deu conta que Portugal destrói empregos ao dobro do ritmo da União Europeia. Por conseguinte, o referencial dos dois dígitos de desempregados foi já ultrapassado, em Portugal. Com efeito, o número de desempregados no nosso país representa já 10, 2% da população activa (561 mil portugueses sem emprego). Sabendo que estes números são indicadores oficiais e que andam a par com muitos empregos precaríssimos e desempregados que já nem constam nesta panóplia estatística, o desemprego em Portugal assume já verdadeiramente contornes de uma monstruosidade política e social. Desgraçadamente, este país parece interessar menos do que a desajustada retórica parlamentar. No entanto, é precisamente para este país, das pessoas carenciadas, sem a possibilidade de edificar um plano coerente de vida, que a Assembleia da República deve definitivamente olhar. E sublinho Assembleia da República, pois não importa que a resolução (ou atenuação) provenha do governo, do partido A ou B ou mesmo de uma conjugação de forças. O país político não deve deixar de olhar com objectividade para estes números, os quais, mais do que números, são, na verdade, pessoas. Muitas delas sem possibilidade de arranjar novos empregos. Muitas delas na faixa etária dos 25 anos (18, 9 por cento), com formação académica capaz.
Eu quero simplesmente que o meu país não seja um país de exclusão social. O desemprego, esse monstro que teima em grassar paulatinamente na nossa sociedade, é o principal factor de uma sociedade moralmente afectada. Os deputados, nossos dignos representantes, não podem passar ao lado disto.

segunda-feira, dezembro 07, 2009

alegre e cavaco

Estou propenso a crer que, dentro de meio ano, teremos um combate eleitoral presidencial entre Manuel Alegre e Cavaco Silva. Creio ainda que Cavaco será o primeiro presidente da República pós-democracia não eleito para um segundo mandato. E a culpa cabe-lhe inteirinha. Na verdade, Cavaco Silva tem revelado, ao longo deste três anos, uma inaptidão que chega a ser confrangedora. Julgo que o cargo de Presidente da República, em Portugal, não é particularmente difícil exercê-lo. Basta vermos os altos níveis de popularidade que todos os ocupantes do Palácio de Belém têm atingido para percebermos isso. O lugar, de constitucional referência, não se adequa a grandes desgastes. No nosso imaginário colectivo existe ainda uma figura qualquer reinante, pairando por cima da nação, protector. Foi assim que nos mantivemos prisioneiros de uma longa ditadura de 48 anos. E à falta desse tópico referencial, elegemos Salazar, num estúpido concurso de televisão, como a personalidade portuguesa maior de todos os tempos.
Voltemos a 2011: Cavaco e Alegre. Este iniciou há dias um percurso que o levará a ser o escolhido pelos seus continuados e entusiastas apoiantes. Por muita reticência metafísica que componha, o caminho é já o de não retorno. O seu primeiro passo nesse sentido aconteceu quando não aceitou as rogativas do primeiro-ministro para continuar com o seu velho assento parlamentar. De facto, o balizamento temporal até às eleições impunha que não se criasse muitas ondas fricativas com o seu partido de sempre. Dito de outro modo: Alegre ficaria muito mal na fotografia se se enquadrasse de forma natural na agora tão proclamada coligação negativa, isto é, o ajuntamento da oposição partidária na Assembleia da República. Não haveria, pois, lugar para um apoio seguro do PS. Fora do parlamento, o seu espaço de manobra cresce de forma mais assumida, criando desde logo uma imagética de independência tentacularmente adequada. Assim, basta a Manuel Alegre não entrar naquilo que o seu putativo adversário é escorreito – e que tem a ver com uma saturada atmosfera de tabus presidencialistas – para que o seu caminho se reflicta de forma afirmativa. Nos dias que correm, o falar claro, sem rodeios semânticos, é um bem cada vez mais precioso e que Cavaco Silva, notoriamente, não usufrui. Basta olharmos para os inúmeros exercícios de análise discursivo-comunicacionais que a nossa imprensa edifica aquando de qualquer intervenção pública do presidente. De facto, revela-se cada vez mais difícil a Cavaco Silva esboçar um fio de rumo coerente. Fala de estabilidade e age de forma oposta, como se viu na recente polémica das escutas a Belém. O referencial de estabilidade, imposta pela constituição, é coisa que não se vislumbra, nem com muito esforço de análise. Não o ouvimos acerca de nada e, quando isso não acontece, as banalidades são mais que muitas. Um equívoco, portanto. Neste sentido, não é de todo insciente efectuarmos um hipotético exercício político e pensarmos o quanto o país teria ganho se Cavaco Silva não tivesse sido o vencedor das eleições de há três anos atrás. Soares teria sido, estou certo, um presidente muito mais jovial e “atrevido” do que Cavaco. Agora, Manuel Alegre tem a hipótese de relegar o actual presidente da República para um segundo lugar, apesar de sustentar ainda alguns anti-corpos dentro do PS. Mesmo Mário Soares, que tem vindo a ter um desempenho crítico algo confuso em relação à orientação do socialismo moderno José Sócrates, não tem muito por onde escolher senão apoiá-lo. E por parte da perigosamente desagregada família social-democrata haverá muito boa gente que colocará a sua cruzinha à frente do candidato ao lado, visto que o apoio incondicional de outrora foi um tiro que saiu, de certa forma, pela culatra. Aliás, nunca compreendi muito bem o empenho pseudo-programático e material dos partidos para com os seus pretensamente candidatos. A eleição presidencial é inteiramente unipessoal. Daí que não deveria caber, aqui, disputas partidárias. A única razão por que teimosamente existem deve-se a um mero exercício de confronto partidário tradicional: ganhou desta vez o PSD e na próxima vamos ver se é o PS que alcança o voto da maioria. Por isso, enquanto andarmos entretidos neste mastigar aparentemente incessante da nossa vida política, em que dois partidos muito iguais se digladiam de forma um tanto pitoresca (basta analisar o último debate quinzenal do primeiro-ministro com os deputados da nação para verificarmos que, mais do que uma conversa política, o que ali se debateu foi apreciações de carácter), não conseguiremos arredarmo-nos do nível de desenvolvimento que ainda usufruímos. Assim, o que poderia constituir uma efectiva mais-valia para o país, a situação de maioria relativa que se desenha actualmente no Parlamento, tem-se revelado cada vez mais impossível de gerir. Daí que o papel do Presidente da República adquira, neste contexto, uma importância acrescida. Mas não é este pressuposto que, infelizmente, contemplamos.

terça-feira, dezembro 01, 2009

os chumbos do tribunal de contas

Por muitas voltas que se dêem, o quinto chumbo do Tribunal de Contas a obras já concessionadas pelo Governo (o último relacionado com a famosa auto-estrada da justiça, denominada assim por um empolgado José Sócrates) não deve ser achado como um mero acidente de percurso irrelevante. Pelo contrário, tudo isto configura uma tradição de gasto fácil e pretensamente oportuno na política portuguesa. A boa notícia, no meio disto tudo, é que há, ainda, um Estado de Direito a funcionar através destes exemplos que são exarados sem a habitual grazineira de outras paragens justiciosas.

coisas

vamos pela estrada e sentimo-nos bem. lá fora, o vento sopra, a neve cai, voam duas aves perdidas. eu sei que tenho de chegar a algum lugar...


neste momento...