terça-feira, novembro 29, 2011

os feriados e a sua abolição

Mário Soares já veio dizer que o 5 de outubro é tão sagrado como o 25 de abril. Pelo contrário, o desaparecimento do primeiro dia de dezembro já não merece o compungimento do antigo presidente da república. Eu concordo e não concordo com ele.
A história, do ponto de vista diacrónico, faz-se de acontecimentos que marcaram a vida dos povos. Neste sentido, o dia que assinala a restauração da nossa independência detém uma forte marca identitária enquanto nação. Aboli-lo é, no fundo, demarcarmo-nos de um passado monárquico que também nos orgulhou. Devemos notar que 90% deste quase milénio de história portuguesa foi sob égide real. E, convenhamos, não é todos os dias que os povos negam forças tão poderosas como a grande Espanha de seiscentos. Os nuestros hermanos galegos e catalães, por exemplo, que o digam. Quanto ao 5 de outubro, parece-me no mínimo irrisório que um regime republicano "delete" a memória vivida da revolta republicana, na qual assenta o presente das nossas vidas. Do ponto de vista histórico, o 5 de outubro é um precussor do 25 de abril. Até pelos desencontros que se lhes seguiram. E ninguém ousou propor o aniquilamento deste último.

adenda: não gostei da posição da igreja católica quando afirmou, a respeito deste tema, que aboliria dois feriados se a república abolisse outros dois.

adenda 2: obviamente que este tipo de decisões valem absolutamente nada do ponto de vista de aumento de produtividade de um país. Vale tanto como as "desgravatas" de Assunção Cristas. É que nem todos podem apanhar um avião para um fim de semana na neve ou na praia. Agora até os feriados nos tiram. Somo uns mandriões.

os telefonemas de seguro

António José Seguro não podia deixar de falar dos comoventes telefonemas que recebeu de pensionistas que, graças aos seus quase colossais esforços, passaram a ser alvo de uma positiva discriminação no que aos descontos para os próximos anos diz respeito. Do mesmo modo, fez questão de alertar que não se deixou reger pelas vozes esquerdizantes do seu partido ou, no seu ponto de vista conspirativo, pelos sempre aliciantes corredores da política socialista, os quais defendiam um objetivo chumbo a este orçamento de estado. Tudo porque ele está na política para que os portugueses façam menos sacrifícios. Aliás, Seguro faz questão de salientar que "eu lutei durante um mês" pela anulação de um subsídio. Tudo em nome, é claro, dos portugueses agora (des)sacrificados. A política é também um jogo de autoafirmação. Não deveria sê-lo, mas, infelizmente, é.
Tudo isto abrange também um delicioso pormenor: as alterações foram feitas porque Passos Coelho também pensa na política nos mesmos moldes de Seguro. Ou então não teria aceitado as alterações ao seu esforçado orçamento de estado.

segunda-feira, novembro 28, 2011

o fado de santana lopes

Estamos decerto todos muito felizes com a candidatura ganhadora do fado a património imaterial da humanidade. Tenho ouvido nas rádios muito fado e muita Amália. Ainda bem. Amália foi uma vedeta internacional. Talvez a única que o nosso espaço musical fabricou. Por conseguinte, este galardão deve muito à fadista.
Todavia, em Portugal a pequenhez é, desde há muito, idiossincrática, quase dramaticamente patológica. Daí que ela ande por aí à procura de heróis vivos. Outros, porém, abrem as portas do seu espaço blogueiro e escrevem estas autênticas pérolas:

"Carlos do Carmo afirmou à Lusa que a candidatura do Fado a Património Imaterial da Humanidade é «bastante relevante» para o futuro deste género musical.
O fadista foi escolhido pelo ex-presidente da Câmara de Lisboa, Pedro Santana Lopes, para ser o embaixador da candidatura, ao lado de Mariza. Os dois intérpretes atuaram juntos em várias ocasiões, nomeadamente em Madrid e Paris, e integraram o elenco do filme «Fados», de Carlos Saura.
Questionado pela Lusa se quando começou a cantar, há 48 anos, alguma vez pensou que o Fado pudesse chegar a este reconhecimento internacional, respondeu: «Não, nunca pensei. É um sonho lindo".

Perceberam? Carlos do Carmo? Mariza?... Fado?!... Ah!, pois... o blogue intitula-se Pedro Santana Lopes e o autor é... Pedro Santana Lopes.

terça-feira, novembro 22, 2011

um exemplo de jornalismo

Serviço público ou não, o jornalismo de reportagem direta em telejornais reduzem-se a um lastimável voyeurismo. Há pouco vi um direto no qual a jornalista da RTP disse mais ou menos isto, que eu, abusivamente, coloco entre aspas: "Vítor Raposo continua a ser ouvido pelo juiz. À sua espera encontra-se somente o irmão".
E o irmão, de facto, lá estava, puxando uma passa no seu impaciente cigarro. Como eu sei isso? Porque o operador de câmara fez-me o favor de o filmar.

segunda-feira, novembro 21, 2011

o facebook de passos coelho

Desde agosto que o primeiro-ministro não dava sinais no seu portal do faceboook. No entanto, considera ser "verdadeiramente importante conhecer as histórias e preocupações dos Portugueses reais, de modo a nunca [se] esquecer que as decisões difíceis que tom[a] medem-se não só em números e percentagens, mas em vidas e sacrifícios". Deste modo, sublinha que têm sido muitas "as de frustração ou desespero". Chega ao ponto de individualizar o post de Ana Isabel Albergaria, que escreveu a pedir ajuda, visto estar somente a tomar um banho por semana e a ser iluminada, nas suas noites, por apenas uma lâmpada.
Passos Coelho salienta ainda um outro testemunho - o de Richard Warrell, "filho de mãe portuguesa" - como exemplo dos "portugueses que acreditam", dos "homens e mulheres inspiradores que não baixam os braços". A mensagem deste último é um autêntico e insonso panegírico da ação governativa.
Não sei o que Passos Coelho pretende ao dar conhecimento público destes dois antagónicos depoimentos. Todavia, não deixa de direcionar um extraordinário cumprimento de esperança aos dois em particular, olhando também o país: "À Ana Isabel, ao Richard e a todos os que aqui escrevem diariamente peço que não deixem de acreditar".
Mas acreditar em quê? sr. primeiro-ministro? Será que leu bem os testemunhos no seu facebook?

quarta-feira, novembro 16, 2011

suspensão da democracia

Manuela Ferreira Leite deslumbrou, há meses, o espaço político nacional com a sua proposta de suspensão da democracia. Não entendi muito bem, nesse tempo, a fundamentação da proposta. Agora, com a democracia suspensa em alguns países, com a escolha, via diretório franco-alemão, de governos não eleitos, assentados em tecnocratas competentes, começo a assimilar o pensamento da ex-deputada.

segunda-feira, novembro 14, 2011

anedotário

Os ministros da economia costumam ser clientes assíduos do anedotário político nacional. Tivemos Manuel Pinho que um belo dia de debate parlamentar se lembrou, do alto da sua tribuna ministerial, de apontar uns cornos para o deputado Bernardino Soares e, antes dele, aquele que olhava para além Tejo e só conseguia vislumbrar um deserto. O Álvaro Santos Pereira ainda não havia, digamos, tido a honra de assinar tão relevante apologia. É certo que se pressentia: o homem não consegue definitivamente acertar com o fuso horário que norteia o país.
Hoje, em plena Comissão de Finanças e Trabalho, na audição parlamentar sobre Orçamento de Estado, afirmou, categoricamente (sem mesmo prescindir do assertivo advérbio "certamente") que "2012 será um ano determinante para Portugal e para a economia portuguesa [porque] certamente irá marcar o fim da crise e será o ano da retoma para o crescimento de 2013 e 2014". Entusiasmado, adiantou: "que não exista qualquer dúvida: este caminho será mais rápido e mais frutuoso se formos capazes de reformar as áreas que representam hoje os verdadeiros obstáculos à modernização e que nos separam da performance económica dos nossos parceiros, nomeadamente europeus. Reformar é a palavra-chave para um caminho sustentado a longo prazo."
Não sei o que o ministro entende por fim da crise, mas declarar/decretar o fim da crise para 2012 é mais do que uma anedota, é quase um sacrilégio. É que todas as estimativas apontam para um crescimento colossal do desemprego. E só isso deveria ser suficiente para que nenhum responsável político da esfera do governo afirmasse tais disparates.

adenda: depois, como é hábito nos incautos, o ministro Álvaro reeditou a premissa, ao afiançar, à Santana Lopes, que, afinal, 2102 será o início do fim da crise. A tontaria continua.

domingo, novembro 13, 2011

os governos dos contabilistas

Chamam-lhes tecnocratas, mas mais parecem contabilistas. Temos em Portugal um ministro das finanças que não passa disso, embora, reconheça-se, cheio de competência técnica. Chefia o nosso governo um ministro que por acaso é o primeiro, embora este epíteto pareça cada vez mais artificializado à luz das diretivas internacionais delineadas no acordo das troikas, da externa e da interna. Acima disto tudo, paira, orgulhosa, a chanceler alemã e o não menos ufano Sarkozy. Os deveres de fidelidade são muitos e visíveis, ao ponto de não conseguir definir o papel político de Passos Coelho.
Aos poucos, o duopólio central arreia o seu contingente. Para além de Portugal, surgiu depois o novo tecno- grego seguido, quase de imediato, pelo seu congénere italiano. Estes, os italianos, rejubilaram de alegria. Encheram praças e dispuseram-se à frente da residência oficial do chefe do governo horas e horas notívagas. Lembrei-me das imagens de Mussolini pendurado de pernas para o ar, na praça Loreto, em Milão. Pela alegria, gostaram da troca ou - muito mais grave - desinteressaram-se do voto.
Sem política, a Europa não pode caminhar. Simplesmente porque ela é, fundamentalmente, um tratado político.

sexta-feira, novembro 11, 2011

os gestos de ronaldo e madaíl

São curiosas as afirmações de Gilberto Madaíl a respeito do gesto de Ronaldo (dedo médio em riste apontado para o público), quando afirma que compreende a reação do jogador. Depois diz que os jogadores estão habituados a este tipo de provocações (por parte do público, o qual assesta baterias, principalmente, para o jogador do Real Madrid, com o nome de Messi à cabeça) e que, além disso, já são crescidinhos.
Faz-me lembrar uma outra situação passada com João Pinto, quando agrediu um árbitro em pleno jogo do mundial. O agora comentador desportivo virou, num ápice, com esse desafio, uma espécie de herói nacional.
Tivemos, nas escolas (são jovens os que consomem este tipo de episódios - os jovens e os inenarráveis comentadores desportivos), a moda da cuspidela (via futebol, em grande parte, que o diga um outro exponencial ex-futebolista, de seu nome Sérgio Conceição). Pode ser que agora o dedinho apontado se cole, episodicamente, em algumas mentes engraçadas. O Madaíl, decerto, compreenderá.

quarta-feira, novembro 09, 2011

limitações salariais para os gestores públicos

É uma medida justa, concordante com os tempos que correm, a limitação salarial que os gestores de empresas públicas vão estar sujeitos. Essa limitação vai ter como teto retributivo o ordenado do primeiro-ministro. O que já me custa a entender são as exceções. Estas dizem respeito aos gestores que operem em empresas ligadas à atividade mercantil e em regime de concorrência de mercado. Continuamos, pois, no mito dos homens providenciais e, mais do que isto, na ordenança catalogada das impiedosas leis do mercado.

sexta-feira, novembro 04, 2011

o abstémio

Nós não somos os gregos, está-se mesmo a ver. Ainda bem, dirão uns, ainda mal, outros. Nós não pertencemos, portanto, àquela zona de confusão sistémica grega. Temos assim dois partidos, muito limpinhos, muito bem comportadinhos, os quais, por obra e graça de nosso senhor e também dos portugueses, se revezam, sofregamente, no poder do Estado. Os dois partidos são mentirosos. É, na verdade, uma das muitas caraterísticas siamesas que os aglomera. Invariavelmente, ganham eleições mentindo aos portugueses. Nesta propósito, Passos Coelho ocupa um lugar invejável no ranking dos primeiros-ministros que faltaram ao prometido. Há sempre a desculpa, oportuna, do desconhecimento das contas herdadas pelo anterior executivo. É esta, no fundo, a base da teoria barrosista do Portugal está de tanga. Neste momento de tormenta, cabe ao PSD governar o país. O PS, por conseguinte, lidera a oposição que outrora foi ocupada, nos mesmos moldes discursivos, pelo PSD. O PS de Seguro discorda profundamente do Orçamento de Estado para 2012 (curioso e obtuso ponto de reflexão de Aguiar Branco: este é um orçamento de estado do Partido Socialista). Vai mais longe do que a Troika; oprime os portugueses; é ultraliberal; é... é.... e é... O líder do PS, que gosta da pose institucional, debita especiais sound bites políticos: este não é o meu orçamento, mas é o meu país e não volto as costas a Portugal. Aplausos? Parece que existem por aí alguns, dentro do próprio PS e também no PSD.
Seguro é incapaz de entender que não tem de se abster quando não concorda, pública, frontal e explicitamente das diretrizes económicas e sociais preconizadas pelo Orçamento de Estado. Como partido corresponsável pela entrada do triunvirato (por onde andas, Portas?...) em território luso, esta abstenção é, sobretudo, um autoatestado de incompetência. Nós somos contra, mas abstemo-nos. Alguém entende esta gente, se excluirmos, como é óbvio, aqueles jogos e joguetes políticos costumeiros? Precisamente esses que têm deixado Portugal numa jangada de pedra?

quinta-feira, novembro 03, 2011

o referendo grego

Chegou a Grécia a um limite. O suposto referendo ao novo empréstimo monetário acrescido de mais um plano de austeridade não é mais do que um referendo à saída da Grécia da união monetária. Talvez seja com decisões deste tipo, assentes, portanto, na democracia, que a Europa pule e avance. Mesmo que isto implique uma aparente regressão. No fundo, o que falta à Europa são europeus, a voz do povo.

coisas

vamos pela estrada e sentimo-nos bem. lá fora, o vento sopra, a neve cai, voam duas aves perdidas. eu sei que tenho de chegar a algum lugar...


neste momento...