terça-feira, março 30, 2010

folclore futebolístico

Uma das coisas que desprezo no futebol português diz respeito ao folclore mediático em torno da selecção de futebol. Dirão alguns que é assim em todo o mundo. Não creio. Mas mesmo que seja nós não temos, fatalmente, de o ser. Ouço na rádio Carlos Queirós promover um grupelho de música americana, agradecendo-lhes o apoio (que apoio?). De imediato, o BES agarra a oportunidade e convoca um concerto para Lisboa, ao mesmo tempo que contrata o seleccionador para ser a imagem do banco não sei onde. Os jogadores pululam de contrato publicitário em contrato publicitário. Cantam, dançam, esperneiam. Deveriam fazê-lo no campo, sóbria e compenetradamente. Antes, porém, toda esta gente tem de tratar da vidinha. Os portugueses aclamam-nos, idolatram-nos, assobiam-nos. Já se sabe que a selecção fica muito magoada quando a massa anónima de espectadores reflecte o seu desagrado. Afinal, todos devemos apoiar a selecção. Com bandeirinhas nas varandas ou cantarolando o "i gotta a feeling", o que interessa é estes meninos e senhores sentirem todo o nosso incondicional apoio.

domingo, março 28, 2010

pedofilia na igreja

A recente onda de indignação que se tem revelado nos órgãos de comunicação social relativamente aos casos de pedofilia protagonizados por membros da igreja católica tem tido uma justificação anedótica por parte dos mais influentes membros da hierarquia eclesiástica. Na verdade, resumir estes casos a justificações do tipo "todas as classes têm defeitos desse género" e que tem havido notório exagero na sua amplitude mediática não é mais do que uma tentativa frustrada de remeter para um continuado e ensurdecedor silêncio (o qual parece ter sido, ao longo de anos, a cupulada estratégia da igreja católica) acções a todos os níveis miseráveis.
Esta justificativa é, pois, inadequada e estúpida. Suponhamos que em relação ao político/governante que, do alto do seu cargo, rouba o pobre contribuinte, fosse utilizado o mesmo argumentário por parte de um qualquer ministro ou líder partidário ("todas as classes têm defeitos desse género"). O que acontecia é que, ajustadamente, nenhum deles estaria no cargo no dia seguinte (nem o corrupto, nem o que, hipócrita e tutelarmente, tivesse fundamentado tal conduta). Na igreja católica, pelos vistos, as coisas não se passam assim. É que dá sempre muito jeito a bíblica citação "quem não pecou que atire a primeira pedra".

quinta-feira, março 25, 2010

pec?

Sou a favor de maiorias relativas qualificadas. Por conseguinte, sou contra as maiorias absolutas desqualificadas. Penso que o último Governo Sócrates era altamente desqualificado do ponto de vista político. Do mesmo modo, estou em crer que a actual conjuntura administrativa, imposta por uma maioria parlamentar oposicionista, tem imposto medidas bem mais saudáveis para o país. A educação pode muito bem servir de paradigma a este meu raciocínio, com a negação projectiva de toda a estrutura de Maria de Lurdes Rodrigues, cada vez mais um caso atroz de incapacidade política, com implicações graves e objectivas em toda o processo educativo (parece que a comunidade escolar se configura como uma espécie de cobaia dos sabores de quem manda).
Agora estamos no PEC, o Programa de Estabilidade e Crescimento ou, dito de outro modo (mais comummente europeu, segundo consta), o Programa de Austeridade. O que tem sido publicado nos jornais a respeito disto não me leva a aderir de forma entusiástica ao documento. Na verdade, nenhum dos partidos da oposição gosta daquilo. Mesmo no PS, obrigado a seguir a voz de mando, notam-se, ainda assim, alguns esgares particularmente tímidos.
Os epítetos são variados e vão desde "tragédia nacional" com o Bloco de Esquerda e PCP até a "agressão fiscal a toda a classe média", segundo o CDS-PP. O PSD, que se diz o maior partido da oposição (começo a ter muitas dúvidas acerca disso, no que diz respeito a índices qualitativos), é uma voz confusa e titubeante, uma amálgama que o último e estranho congresso ajudou a notar.
Mas a questão que se coloca, neste âmbito, só pode ser uma: é oportuno seguir para a frente com um documento que ninguém, verdadeiramente, aprova, o qual pouco traz para o desenvolvimento sustentado do país? O exemplo das privatizações ou alienações estatais servem de exemplo. Como se pode perspectivar uma sustentatibilidade de crescimento quando se vende, em cima do joelho, empresas saudáveis? Como é possível alinhavar cortes nas regalias dos pensionistas e desempregados, as franjas mais débeis duma sociedade? Não seria mais ajustado pedir um efectivo esforço, durante estes dois ou três anos, a quem mais pode?
A explicação dada por Teixeira dos Santos não convence, apesar da amostra honesta de esforço. Mesmo sabendo que um ministro das finanças tem de ser um referencial de estabilidade dentro do próprio governo, estou propenso a crer que Teixeira dos Santos esgotou já as suas capacidades de intervenção tendo em conta uma visão macroeconómica. A sua substituição (sem dramas, obviamente) poderia constituir uma lufada de ar fresco para as contas deficitárias do país. Todavia, sei da impossibilidade deste passo. Teixeira dos Santos só sai quando o governo cair.

quarta-feira, março 17, 2010

chagas sociais

Walter Lemos é politicamente ridículo, monotonamente inconsistente, fatalmente inócuo. Demonstrou-o cabalmente na última legislatura, quando gravitava penosamente pelos corredores do Ministério da Educação. Agora, como secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional, não tem surpreendido. Bastaria ouvi-lo quando a oposição (penso que foi por intermédio do Bloco de Esquerda) acusou o Governo de não dignificar a respeitabilidade dos desempregados. Com efeito, os Centros de Emprego preconizam cada vez mais uma espécie de apartheid social, em que as pessoas, obviamente debilitadas, são tratadas como cidadãos de segunda. É o caso, por exemplo, dos trabalhos pagos a dois euros à hora, bem abaixo do salário mínimo nacional (seria preciso trabalhar sessenta horas por semana para alcançá-lo). A este propósito, Walter Lemos não vislumbrou melhor arranjo do que afirmar o seguinte: o que as pessoas querem (deveriam almejar) é trabalhar e fugir à situação de desempregado.

O resto não interessa para nada na cabecinha do secretariozinho. O que me deixa moderadamente consternado é saber que existem decerto muitas pessoas inscritas no centros de (des)emprego que alcançariam melhores empenhos no lugar ocupado por Walter Lemos, cada vez mais o protótipo do artista político português.

(convém acrescentar à minha indignação: um secretário de estado que opta por este tipo de atitude quando o que está em causa é, sobretudo, um problema de dignidade humana, não merece ocupar o lugar que ocupa. É tão simples quanto isso. A política é uma actividade que se quer regida por princípios elevados. Sem esta postura de dignificação do outro, principalmente quando se está estropiado de uma parte da própria identidade, o melhor é pensar em fazer outras coisas. A culpa – é verdade – não redunda exclusivamente em Walter Lemos. O que poderá originar uma boa questão: o que levará este senhor a ser assim tão convidado?)

terça-feira, março 16, 2010

os prémios dos gestores

Sem ser preciso cavalgar a vaga populista que muitas vezes caracteriza as intervenções do líder do PP, parece-me mais do que óbvio, grosseiramente claro, que a necessidade de premiar os gestores de empresas públicas é tão premente e oportuno como muitas das obras que o governo continua apostado em realizar. São estas contradições políticas que nos fazem desacreditar nos nossos homens e mulheres do regime. Devemos notar que estes senhores gestores são já cabalmente premiados com ordenados muito, mas mesmo muito acima da média. Muitos deles estão lá porque são amigos. Defendem-se na nomeação. Alvoraçam um qualquer canudo. Escondem o desajeitado currículo. A questão é, pois, séria. Tendencialmente, o único dado de crescimento efectivo no nosso país tem a ver com o número de desempregados. Destes, muitos não gostam de arvorear o canudo. Escondem-no com alguma e - sejamos francos - justificada vergonha. O que fatalmente entristece é que alguns faziam bem melhor figura do que muitos dos nossos premiados públicos.

O IP4 e a auto-estrada

Recebi uma crítica simpática de um leitor dando conta, essencialmente, da minha falta de “patriotismo transmontano” quando abordo, depreciativamente, o projecto da auto-estrada transmontana. A esse respeito, tento ser coerente. Para mim, as obras que têm dilacerado a serra do Marão são tão desnecessárias quanto o são, por exemplo, o TGV ou o aeroporto de Lisboa. Para mim, são simplesmente obras de regime, de alguém que quer ser lembrado na história, mesmo que seja como nota de rodapé, como o governo (o mandante) que construiu um dos maiores túneis do mundo e o aeroporto de Lisboa, um dos mais modernos da época. Acontece que o tempo do fontismo acabou, ou mesmo o do cavaquismo. Os tempos são, portanto, outros e a aposta passará sempre pela qualidade e não através de níveis quantitativo.

Nunca gostei do IP4. Mesmo quando, nos idos anos da sua conclusão, Cavaco esgrimia os mesmíssimos argumentos que agora Sócrates invoca a respeito da tão celebrada (alvoraçadamente celebrada) auto-estrada da justiça, mesmo nessa altura o seu traçado afigurava-se-me pouco ambicioso e perigoso. Bastaria um olhar descomprometido, tanto ao nível político-partidário como também ao nível emotivo-territorial, para entender que percorrer exasperantes quilómetros atrás dum veículo pesado em marcha necessariamente lenta não é a melhor forma de prevenir e optimizar nos condutores uma condução segura e civilizada. Todavia, importa sublinhar a simbologia da obra, ao ligar o distrito do Porto à fronteira de Quintanilha, roçando (de forma proveitosa, é certo) os concelhos de Vila Real, Mirandela e, obviamente, Bragança. E é também neste ponto que impulsiono parte da minha perspectiva crítica.

De facto, o IP4 não ligou Trás-os-Montes ao litoral. Quando muito, houve um enleamento destes concelhos a um conceito desastrado de desenvolvimento que tem pautado o nosso país desde sempre, principalmente desde que a necessidade de ganhar eleições (o poder pelo poder) se começou a impor em prol dum crescimento verdadeiramente homogéneo. Por isso é que os autarcas destes concelhos andam agora numa onda salivante na perspectiva de ver passar uma auto-estrada à porta de casa. Como diria Jorge Sampaio, há mais Trás-os-Montes para além da auto-estrada da justiça... Diz o meu estimável leitor o seguinte, seguindo, aliás, uma espécie de mainstream político: “a província de Trás-os-Montes não possui uma única auto-estrada”. E depois? Acaso essa verdade é um premente problema para a região, tendo em conta, por exemplo, a despovoação das vilas e aldeias, o consequente encerramento de escolas e unidades de saúde, o degradado estado das cidades e vilas, o esquecimento sistemático das vias de comunicação, onde os carros circulam em estradas – estas sim – objectivamente desadequadas para os nossos tempos, a ausência cada vez mais irrevogável de comboios, o caciquismo, o compadrio, etc.? Eu vivo em Vila Real mas recuso-me a olhar para Trás-os-Montes dividido em sub-regiões no que diz respeito aos índices de desenvolvimento. Isso seria cair naquilo que é, actualmente, Portugal, isto é, um dos países vergonhosamente mais desiguais da Europa, o que, a meu ver, se expõe como a mais influente desvantagem, ao não sermos capazes de dar aquele salto qualitativo, o tal que nos permita olhar para este pequeno território sem falar em litoral ou interior como se nos estivéssemos a referir a dois países distintos. Daí que concorde com o meu conterrâneo quando invoca a necessidade de uma via rápida segura. No que discordamos é somente no seguinte: para mim, metade dos 800 milhões orçamentados para esta obra seria mais do que suficiente para alterar o perfil de segurança do IP4. Quanto aos outros 400 milhões tenho a certeza que não chegariam para impulsionar de forma efectiva o outro lado da região. O raciocínio é, pois, simples: não podemos continuar de costas voltadas para Trás-os-Montes. Então quando são os próprios transmontanos que estão na base desta desarticulação!…

terça-feira, março 09, 2010

as contingências

Por muito que nos custe – e por muito demagógico que possa parecer – as notícias que, devido às condições climáticas, dão conta de estradas cortadas, árvores caídas, casas desmoronadas, rios a transbordar, revelam, indelevelmente, muito menos a contínua e necessária discussão sobre o clima e muito mais o estado absolutamente incoerente do país. O exemplo da Madeira foi, digamos, a "prova provada" de que planificação no âmbito de uma perspectiva ecológica urbana nunca foi o nosso fio condutor. As contingências eleitorais – demagógicas a maior parte delas – e a menoridade da nossa democracia fizeram com que os políticos do nosso tempo optassem, invariavelmente, pelo foguetório em prol duma planificação naturalmente sustentada. Os exemplos abundam. O difícil é, sem dúvida, perscrutar casos de sucesso. Basta percorrermos as nossas cidades e olharmos para a pouca consideração com que os pedonais são remetidos. Os carros, aqui, são quase sempre mais importantes do que as pessoas. Ainda nas cidades, a quantidade de prédios degradados é também um sinal dos tempos. Invocam-se inúmeras razões, muitas delas pertinentes, mas entre invocações e críticas, os edifícios permanecem numa morte lenta e perigosa.
No mesmo sentido, a opção pelas auto-estradas continua a ser, nos dias de hoje, inexplicavelmente, primacial. Retomemos este tópico, já aqui abordado várias vezes. Há pouco mais de duas décadas desenhou-se e fez-se o IP4. A obra mirífica que ligaria, finalmente, o litoral ao interior. Necessária, sem dúvida. Mas não é preciso ser engenheiro de estradas para facilmente verificarmos, mesmo aos olhos da década de 90 ou 80, que, em alguns troços, as faixas de rodagem se afiguravam objectiva e definitivamente curtas, com uma só opção de percurso, quase sempre no sentido descendente. No entanto, inventou-se agora a auto-estrada da justiça, a mais proclamada obra transmontana, segundo o nosso aturdido primeiro-ministro. Não teria sido melhor havermos resolvido esta "injustiça" no seu devido tempo? E será mesmo tão imprescindível esta auto-estrada? Na minha opinião, claramente que não.
Mas o exemplo maior de todo este focus argumentativo vem, infelizmente, com a trágica situação vivida na Madeira. Por muito que nos afecte, a dimensão dos estragos do aluvião que assolou a ilha tem muito a ver com a ausência de uma planificada e coerente estruturação urbanística. Neste sentido, as responsabilidades deveriam ser assumidas. Mas o que se passou foi extraordinariamente o oposto. Alberto João Jardim, numa das primeiras declarações que lhe ouvi, afirmou logo que ia fazer um túnel, mais um. Poderíamos pensar que era um impensado e dolorido raciocínio, fruto da tragédia interior que o governante, naquele momento, vivia. No entanto, já depois da maior hipocrisia política que a democracia portuguesa presenciou, reproduzida por José Sócrates e Jardim, este, questionado sobre a reconstrução da ilha e dos eventuais pareceres negativos dos ambientalistas, depressa retomou, agora já mais reconfortado no alto do seu bilião de euros, a sua tradicional e escalavrada verve, afirmando que o "ambientalista sou eu".
Ouvi muitos e respeitados comentadores da nossa praça glorificando o Presidente Regional da Madeira a respeito da sua atitude perante o sucedido. Não discuto a valorização do sentimento de pertença territorial. O que me perturba são as respostas. As pretéritas e as futuras.

coisas

vamos pela estrada e sentimo-nos bem. lá fora, o vento sopra, a neve cai, voam duas aves perdidas. eu sei que tenho de chegar a algum lugar...


neste momento...