domingo, outubro 31, 2010

mais cavaco

Vamos ter mais Cavaco Silva no caldeirão político do Natal e também, segundo todas as previsões e por vontade do povo todo soberano, no próximo lustro. O presidente apresentou-se ao país enquanto candidato e depressa foi apelidado de mestre na tática política quando ordenou que os gastos da sua campanha não ultrapassassem metade do máximo que a lei permite. Obviamente que a mestria se situa algures entre a mediatização inerente ao cargo presidencial (não pode, de fato, deixar de ser presidente) e a sua efetiva pouca inclinação para a fotogenia, filmogenia, e outras coisas afins. No entanto, a astúcia de Cavaco quedou-se naquilo que de pior o candidato domina: a demagogia. Na verdade, toda a intenção comunicativa de Cavaco Silva foi ao encontro daquele centrão amorfo que não é carne nem peixe e vê em Cavaco aquilo que o próprio construiu mas que nunca provou ser.
A par de tudo isto, Cavaco Silva emergiu-se. Prometeu tudo o que já antes prometera, agora com um acréscimo de atividade, uma "magistratura ativa", como o próprio sublinhou. Esqueceu-se, todavia, de definir o que isso é, no quadro constitucional que nos rege. Deixou também no ar a extraordinária e quase humorística interrogação, a qual presumo ser formulada retoricamente: "em que situação se encontraria o país sem a ação intensa e ponderada, muitas vezes discreta [!], que desenvolvi ao longo do meu mandato? (...) O que teria acontecido sem os alertas que lancei?"
Ainda discursivamente emparelhado, não pude deixar de me lembrar das queixas de Mário Soares presidente da República, quando o Governo era chefiado maioritariamente por Cavaco Silva. Afirmava então Soares que quando lhe fechavam uma porta, saltava pela janela. Tudo a propósito da sua pouca utilização pelo Governo enquanto chefe de Estado, principalmente quando o assubto era política externa. Pois agora é a vez de Cavaco Silva dizer o mesmo, embora num registo tradicionalmente mais dubitativo e frívolo: "sei que podia ter sido mais bem aproveitada [a sua magistratura] pelos diferentes poderes do Estado".
O povo é, pois, soberano. Escolherá, decerto, o presidente de todos os portugueses. O que nos espera, pelo menos nos próxinmos meses, não é a crise. É simples e desgraçadamete a emoção duma campanha eleitoral. Tudo terminará em Janeiro e Cavaco entrará, de novo, num singular estado de graça.

quarta-feira, outubro 27, 2010

mau sinal para os mercados

Rompe-se o diálogo sobre a aprovação do Orçamento de Estado para 2011 e logo surgem, catastroficamente, as primeiras reações. "É um mau sinal para os mercados", afirmam, pressurosos, vários agentes políticos. Começa a encher esta gente.

os visionários economistas

A candidatura de Cavaco Silva foi um estranho exercício de autopanegírico. Na verdade, o atual presidente da República não é capaz de sair do mesmo. Doutor em finanças, rígido na postura e encravado na verve, Cavaco construiu, na torre de marfim da presidência, aquilo que melhor se adapta à sua imagem de marca: o afastamento dos enredos político-partidários e um capital de confiança que, não sendo nunca posto à prova, também não corre o risco de se desgastar. Voltamos, pois, à atmosfera eleitoral de há cinco anos: votem em mim porque o que aí vem exige um homem das finanças. Acontece que é preciso muito mais do que isso para se entender o mundo em que vivemos.

terça-feira, outubro 26, 2010

salários dos magistrados

Isto das crises acaba muitas vezes por trazer ao lume da fogueira da massa comunicacional curiosidades de variadíssima ordem como, por exemplo, o que hoje saiu a respeito da soldada dos juízes em fim de carreira. É certo que já estão em fim de carreira. Mas ficarmos à frente de países como a Noruega, Suécia, Dinamarca, Holanda, Áustria relativamente ao rácio com os salários médios brutos nacionais é sintomático da sociedade que temos, ou melhor, da que não fomos capazes de construir no rescaldo da revolução de abril ocorrida no último quartel do século passado.
Do mesmo modo, a revista Sábado dá também conta dos gastos absolutamente sumptuosos do gabinete de José Sócrates. Para que raio quer o homem tantos motoristas, tantas secretárias, tantos carros, tanto tudo? Batemos muita gente nestes particulares. Zapatero, por exemplo, ganha substancialmente menos do que o "su homólogo portugués". Nada que não saibamos desde há muito. Só é pena que estas contas não possam ser feitas quando se fala em classes médias ou ordenados mínimos. Aí os rácios cantam de outra maneira.

domingo, outubro 24, 2010

o culto das personalidades e o expresso

Custa-me muito entender certa prosa beata do semanário Expresso em torno de certos políticos. Há cerca de um ano e meio, deparei-me com uma reportagem alongada sobre Sócrates, numa vil tentativa de criação extemporânea de um culto de personalidade socratina. Este sábado, coube a vez de Cavaco Silva, numa suposta entrevista de quinze dias. A repórter parece que acompanhou o Presidente nos corredores do palácio de Belém - certos corredores, pois noutros não teve permissão para pôr lá os pés, como várias vezes sublinhou, pretensamente afetada, a jornalista -, e fez disso uma grande entrevista. Grande em extensão, obviamente, porque o adjetivo fica muito aquém se remetermos este exercício jornalístico para a vertente qualitativa. Poderia citar aqui muitos exemplos, desde o rigor cavaquista até ao acompanhamento de sua mulher, Maria. Mas não me apetece voltar àquilo.

sábado, outubro 23, 2010

ongoing, comissão de inquérito e um certo deputado

Há oito meses, Agostinho Branquinho era um relator proeminente da Comissão de Inquérito Parlamentar designado pelo PSD, a qual procurava perscrutar a influência do Governo na tentativa de compra de parte da TVI pela Ongoing. Hoje, Agostinho Branquinho é já um ex-deputado porque foi convidado para um também proeminente emprego na Ongoing Brasil. Obviamente que o venerável ex-deputado foi célere a asseverar que esta sua transição para o universo empresarial não poderia ter sido mais límpida e transparente. É evidente que não... Chama-se a isto bloco central de interesses e não é nada de que não estejamos habituados. Tudo na perfeita legalidade e transparência.
E é esta a (des)moral da história.

quinta-feira, outubro 21, 2010

isabel alçada e os assuntos de mercearia (2)

Isabel Alçada ficou conhecida como coautora de livros infantis, numa séria decalcada dos romances juvenis de Enid Blyton. Foi depois convidada para ocupar a liderança de uma coisa chamada Plano Nacional de Leitura, que mais não é do que uma lista de títulos que as escolas absorvem com a indicação “para pôr os meninos a ler”. Chegou, assim, a ministra da educação. Diferente na postura (bem mais sorridente e simpática) da sua antecessora (um desastre, outro), depressa ganhou a afeição da comunicação social e também alguma anuência dos sindicatos.
Foi neste pressuposto de mudança que prometeu, em janeiro, a vinculação de professores contratados há mais de dez anos. Esta semana, porém, salientou que só acordará "naquilo que não colidir com o Orçamento do Estado" e que, por isso, inviabilizará essa promessa, tratando estes professores como mera mercadoria (como se de uma auto-estrada se tratasse, por exemplo).
Ora quem assim funciona não merece ocupar certos lugares. Isabel Alçada provou que não tem capacidade política para negociar no interior do Executivo. Por isso, o mínimo que devia fazer era pedir a demissão ao primeiro-ministro (ou ao ministro das finanças). Decididamente, a cabecinha desta gente carece de democracia.

como se ajuda a processar o homem providencial

Já aqui foi motivo de reflexão o nosso pendor sebastianino. Com o desenvolvimento da série Orçamento 2011 notamos que a personagem herói/vilão, duplamente agente da ação (criador e salvador da coisa causada) se tem vindo paulatinamente a desenvolver na nossa praça pública, singularmente impulsionado por pessoas (figurantes ou até mesmo personagens muito secundárias mas que costumam ter uma voz proeminente no burgo) aparentemente desconvitas. Hoje, por exemplo, li que o presidente da Unicer, António Pires de Lima, ex-dirigente do CDS-PP, acha que "o mais lógico para um partido da oposição é declarar a viabilização do Orçamento sem entrar numa negociação específica, que pode servir de pretexto para o Governo abandonar funções".
Confesso que me a custa entender este tipo de argumentos. Não vejo onde estará o problema com a demissão deste executivo.

quarta-feira, outubro 20, 2010

são seis os pressupostos

O que me parece é que por estes seis apêndices condicionais não seria necessário tanto barulho. Ainda para mais se tivermos em conta que metade deles são de uma anedotice política de bradar aos céus. Imagino o trabalhão que o grupo de conselheiros políticos (os experts da coisa) de Pedro Passos Coelho tiveram para inventar tão pressurosos pressupostos como a verdade nas contas orçamentais (!), a agência independente para as contas públicas (com o acordante Banco de Portugal, o qual, pelos vistos, não tem capacidade para fiscalizar as contas públicas) e a suspensão das grandes obras (não estavam já equilibradamente suspensivas?). Um verdadeiro grau zero político.

orçamentos

Gosto de seguir as declarações avulsivas desta gente a respeito da novela orçamental que se tem vindo a desenvolver nos últimos dias, com os nossos maiores e menores atores políticos. Miguel Relvas, o extraordinariamente tonitruante secretário-geral do PSD, veio hoje (ontem) com isto: "com ou sem Orçamento, este Governo não tem condições para continuar a governar e já não é parte do futuro para o qual temos de olhar". Mas afinal em que é que ficamos? Será isto uma cena do próximo episódio? A preparação de um clímax? Uma mensagem subliminar? Um simples bocejo? Ninguém sabe. Sorte tem o sr. Relvas em não ter decifradores semióticos assim espalhados pela comunicação social. Se se chamasse Cavaco Silva...

segunda-feira, outubro 18, 2010

as aparências

Li somente o título. E afigura-se esclarecedor para os "mercados externos". Num tempo de pruridos e puritanismos discursivos, a citação de Teixeira dos Santos que titula a primeira página do Público de ontem põe de parte qualquer teoria das aparências para o exterior. O nosso responsável maior das finanças (Cavaco vive lá no Olimpo) disse simplesmente isto: "não vejo por onde ir se os mercados exigirem mais". É, sem dúvida, uma bela frase veiculadora de um ânimo francamente exportável.

quinta-feira, outubro 14, 2010

alegre critica passos

Concordo com as críticas de Manuel Alegre quando aponta a sua verve ao líder do PSD por ter recebido ontem os quatro presidentes da banca. São, efetivamente, pessoas sem legitimidade alguma (a não ser aquela que lhes advém da própria cidadania individual) e que se arrogam no direito de se imiscuirem em assuntos essencialmente políticos.
No entanto, a ferocidade das críticas do ex-deputado ao encontro e também ao Presidente da República ("se fosse presidente da República, neste momento não permitiria que o grande capital e os grandes banqueiros andassem a exercer um papel de pressão, mediação ou moderação relativamente a uma decisão política que tem de ser tomada pelos órgãos políticos democraticamente eleitos no local próprio, que é a Assembleia da República", anotou Alegre, o que me leva a perguntar de que modo é que o faria...) não passa de pura retórica eleitoral. Na verdade, Passos Coelho não fez mais nem menos do que José Sócrates já fez em outras ocasiões semelhantes. Aliás, este gente, estruturalmente espelhentos, pela-se por este tipo de encontros. Com efeito, não é todos os dias que temos à nossa porta, com profundo sentido de Estado, parte da agiotagem nacional. Sempre é mais um sinal ao maiusculizado mercado.

quarta-feira, outubro 13, 2010

pcp

A nota de imprensa do Partido Comunista Português relativamente à atribuição do Prémio Nobel da Paz a Liu Xiaobo é simplesmente anedótica. O partido tem tantas paredes de vidro sobrepostas que a opacidade revela-se uma inevitabilidade. Com que PCP contamos? Com o da oposição parlamentar portuguesa ou com aquele que defende literalmente regimes tipo Coreia do Norte? É que estes dois PC's são incompatíveis. Levado a sério este último PC, o argumento de Alberto João Jardim, no qual é defendida de forma igualmente objetiva a ilegalização deste partido, não é de todo descabido. Numa leitura constitucional unívoca, este PC (o último, o tal da Coreia) não anda muito longe do fascismo. Daí que, para bem de todos - do partido, dos militantes e do país -, o Comité Central do Partido Comunista deveria, de uma vez por todas, esclarecer.

terça-feira, outubro 12, 2010

agarrem-me se não...

"Se não estivéssemos em vésperas de eleições presidenciais, o que hoje se estava a discutir em Portugal não era se deixávamos passar o orçamento ou se o chumbávamos. Era a apresentação de uma moção de censura a este Governo".
As minhas ténues esperanças de um chumbo ao Orçamento de Estado por parte do maior partido da oposição ficaram hoje esclarecidas, com a infantilidade da declaração/argumento do sr. dr. Passos Coelho. O homem anda inexoravelmente perdido e porventura mal aconselhado.

domingo, outubro 10, 2010

referência de segurança, diz santana

É por estas e por outras que Santana Lopes ocupa um lugar especial na configuração político-partidária portuguesa. Quando ainda há pouquíssimas meses atacava subliminar e objetivamente Cavaco Silva, ao ponto de defender uma alternativa pela direita nas eleições presidenciais, vem agora afirmar, convitamente, que o atual presidente é um referencial de segurança. Se não tivéssemos habituados a volte-faces identitários por parte dos nossos políticos (o governo que nos governa é um exemplar exemplo desta idiossincrasia), estranhávamos. Como a coisa é regulada por este tipo matricial, enranhamos, naturalmente.

sábado, outubro 09, 2010

o desgastado teixeira dos santos

Diz Teixeira dos Santos em entrevista ao Expresso: "A questão que se coloca agora não é a de saber se as medidas deviam ter sido tomadas há mais tempo ou não mas perceber qual vai ser a nossa atitude perante estas medidas". Pois é. Foi este mesmo pragmatismo (o de ganhar eleições primeiro) que o faz afirmar agora, desassombradamente, que o que lá vai, lá vai. O importante, agora, é a nossa atitude. Acerta, portanto, pois a dele já sabemos qual foi. Ou ficamos a saber.

a falsa questão do orçamento

Aprova-se; não se aprova?... Dá-se mais uma volta e retornamos a esta bifurcação retórica. A maioria corre atrás do politicamente correto: pois com certeza que sim que se deve aprovar o Orçamento de Estado; o país não pode viver de duodécimos; que pensará de nós aquela gente de Bruxelas; entramos numa crise política; o Presidente não pode fazer nada, visto que se encontra numa espécie de coartação constitucional; e por aí fora.
Custa-me este letargo. Custa-me que os responsáveis primeiros por esta situação ainda se arroguem numa espécie de somos nós a salvação (a teoria do caos do tempo de Cavaco ministro deu frutos e ainda pesponta). A equação é, pois, simples. Pelo menos deveria sê-la, se tivéssemos clarividência e desassombramentos.
O último Governo de Sócrates, com uma confortável e prometedora maioria parlamentar, não foi capaz de nos tornar melhores e mais prósperos, enquanto país. Falhou, por isso. Ao invés, preferiu maquilhar todos os percalços e conjeturas de crise. O resultado é o que se vê.
O Governo moldou-se a José Sócrates. Este sempre soube, todavia, uma coisa importante: é imperioso a construção de uma imagem de homem providencial. Tivemo-los na nossa história recente: desde os mitos da República à imagem de Sidónio Pais enquanto presidente-rei, passando, obviamente, por Salazar e desaguando em Cavaco. Todos foram salvadores, verdadeiros impulsionadores da nossa úlcera sebastianina. O atual primeiro-ministro alicerçou tentacularmente esta imagem, rodeando-se de homens decerto academicamente resolutos, mas fracos na alma. Basta olhar para eles. O que vemos em Santos Silva, por exemplo, para além de um espécie de ateador de fogos parlamentares? E no Silva Pereira, uma espécie de pajem travestido de braço direito? E os Laurentinos? E os Albertos Martins? E o próprio Teixeira dos Santos (todos os ministros das finanças são considerados os que encaram a coisa, a res publica, de forma mais gravemente comprometedora)? E as senhoras da Educação? O que tem esta gente para mostrar ao país? Nada. Não têm nada, absolutamente nada. Esgotaram já o nada que eventualmente possuíam. Ainda assim, José Sócrates conseguiu o feito de secar o que poderia ainda florescer à sua volta.
O que importa, agora, é protegê-lo. Afinal, ainda poderemos vir a precisar dele, numa insignificante manhã de nevoeiro.

quinta-feira, outubro 07, 2010

as compras da anacom e a resposta à mexia

A ANACOM foi às compras para comemorar o seu aniversário. Como não se comemoram duas décadas de existência todos os dias (na verdade, só uma vez na vida, tal como os 21 ou 22 anos), os responsáveis pela entidade reguladora das comunicações postais e comunicações eletrónicas andaram por aí, loucos, a alugar tendas, a estufar bancos de viaturas em pele bancos de viaturas (parece que isto foi no natal, numa festita que custou 30 mil euros), a exibir vídeos humorísticos, a encomendar penduricalhos, entre outras utilidades inseparáveis daquilo que se pretende com a passagem do décimo nono para o vigésimo ano de vida. Questionada pelos jornalistas, a ANACOM ou um dos seus representantes mais eruditos,desenhou uma resposta à Mexia, afirmando que apenas atua na legalidade e que faz compras transparentes de acordo com o código das compras públicas a distribuir.
António Sérgio afirmava em 1916 que o mal do país reside mais nas elites do que propriamente na (in)capacidade da nação. Não sei se esta gente que assim responde numa altura destas é elite. O que sei é que deveria simplesmente estar calado. E desocupar o lugar.

alemanha: o contraste

A locomotiva económica da Europa anda em contraciclo. O próprio ministro da economia alemão, Rainer Bruederle, defende um aumento substancial dos salários. Portugal afastar-se-á, em 2011, deste paradigma. Seremos cada vez mais uma jangada de pedra.

quarta-feira, outubro 06, 2010

previsões fmi

As previsões do FMI para 2010 são tenebrosas. Espera-nos uma recessão, com uma queda do produto interno bruto e um aumento do desemprego, este na ordem dos 12%. Isto é, atenua-se as finanças e agrava-se a economia. Ora como é na economia que as pessoas se inserem, fácil é entender que estaremos, no próximo ano, a viver pior, cada vez pior.
Entretanto, o PSD critica o orçamento e o Presidente Cavaco Silva aspira a eternos e pouco saudáveis consensos. Em tempos de firmações comemorativas revolucionárias, será este o tempo de novos voos. Tenho mágoa em verificar que Portugal não possui ninguém no ativo capaz de rasgar lucidamente uma realidade cada vez mais enlodada.
No nosso descalabro paulatino, temos metido todos na cabeça que somos pequenos, dez milhões, etc. Essa atitude é, desde logo, um sinal de fraqueza da nossa parte, um sinal de irremitente desgraça.

futebol português

Vi posteriormente um comentador futebolístico abandonar um programa em direto. Julgo saber a razão: insurgia-se contra o colega comentador do lado (afeto ao Benfica) por este ter, mais uma vez, avocado o caso das escutas e do apito dourado, agora com supostas novas conversas gravadas que estão, novamente, no espaço voyeur da internet. Teve razão Rui Moreira, o tal comentador futebolístico que não é só comentador futebolístico.
O povo desportivo futeboleiro gosta disto: casos vezes casos. Basta olharmos para os ditos programas do género que abundam nas televisões portuguesas, com com caros convidados, e rapidamente verificamos que continuam a alimentar o grunhido da sociedade portuguesa.

terça-feira, outubro 05, 2010

república: as comemorações

Segui as comemorações do centésimo aniversário da República e estou em crer que não havia razão plausível que justificasse a presença de Sócrates enquanto conferencista de serviço. Cavaco Silva, enquanto chefe de Estado, era o suficiente para representar a República. Ainda para mais quando sabemos de antemão o que sai da cabecinha do primeiro-ministro quando se apanha a jeito nestas ocasiões assim tão solenemente televisivas. E o próprio Costa, com aquele discurso de não-sei-de-quê, também se dispensava.

domingo, outubro 03, 2010

pacotes

Numa tonitruante e assustadora espiral de descontrole político, José Sócrates desdobra-se em entrevistas televisivas quando se deveria antes preocupar, por exemplo, em debater seriamente os problemas da atual crise política (existe uma crise política, não usurpem esta realidade, senhores comentadores políticos). Aliás, uma sociedade que aceita como natural este tipo de comunicação propagandística, não vive, de todo, uma existência saudável. Sócrates tem-se revelado igual a ele próprio: compulsivo. Ele parte do princípio que uma verdade será mais verdadeira quanto as vezes que for propagandeada, isto é, vulgarizada.
O que ouvimos nestes últimos dias ao primeiro-ministro foi, no mínimo, desconcertante. Portugal, afinal, plantava-se como um país exequível, no caminho quase eterno da salvação. Na verdade, segundo Sócrates, tudo rolava: desde as receitas, que estavam "dentro do padrão de segurança" para 2010, passando pela extraordinária previsão de crescimento, a qual foi mesmo superada para o dobro (de 0,7% para 1% no final do ano). Pelo meio, ainda garantiu (a ele é que ninguém o cala!...) a oportunidade de proclamar o ritual vocabular da confiança: "a questão principal é de confiança. O que o país precisa são palavras de confiança", afiançava José Sócrates em resposta ao deputado Miguel Macedo na Assembleia da República, aquando do último debate quinzenal. De facto, num país de tolos, isto bastaria para a exequibilidade de um Governo, de um qualquer Governo. Acontece que Sócrates divulga essa sua crença desde sempre, principalmente desde que iniciou a saga dos PEC's. Os dislates foram já tantos desde esse tempo já tão inacessivelmente memoriável que teríamos de ter muita paciência para os determinar com equidade. De pacote em pacote, de preferência enrolando o aparentemente incauto Passos Coelho - obrigando-o mesmo a um inacreditável pedido de desculpas públicas escassos dia após ter sido eleito líder do seu partido - José Sócrates (escrevi por engano trocas-te, o José do Contrainformação...) tem levado a sua carta a Garcia.
Cavaco Silva, o presidente que percebe de finanças, principalmente quando este autopanegírico se revela muito útil em campanhas eleitorais (vamos ver se dentro de uns meses continua com este tipo de vestidura), tem sido, durante estes meses de PEC's, um mero espetador, seguramente atento. Por isso não entendo como é que o Presidente da República fez orelhas moucas à sua ex-ministra das finanças, Manuela Ferreira Leite, quando esta liderava o PSD, e se preocupa agora tanto com a suposta estabilidade governativa, condicionando - e muito - qualquer voto negativo ao Orçamento de Estado por parte do maior partido da oposição. Que eu saiba, a demissão de Sócrates (Cavaco não a pode, constitucionalmente, encetar e suspira, por isso, de alívio) não proclamaria um país em estado de sítio, nem de desgoverno permanente. Ao sugerir isso, o que se faz não é mais do que a entoação de exageradíssimas e imerecidas loas a José Sócrates na estratégica construção fictícia do homem certo no lugar certo. Por conseguinte, o nim parlamentar que tantos esperam por parte do PSD não é, para mim, tão certo quanto aparenta. Com efeito, não se pode discordar tanto e outorgar simultaneamente.
Num momento destes, são precisos verdadeiros políticos, daqueles que conseguem vislumbrar um país para além de dois ou três meses. Infelizmente, parece que estes são espécimes em vias de extinção. Os que por aí pairam, assemelham-se mais a encaminhamentos tentaculares em prol do deus-mercado do que a homens e mulheres com verdadeiro sentido republicano.

coisas

vamos pela estrada e sentimo-nos bem. lá fora, o vento sopra, a neve cai, voam duas aves perdidas. eu sei que tenho de chegar a algum lugar...


neste momento...