segunda-feira, setembro 21, 2009

os equivocados

Não pretendo obviamente dar lições de socialismo a Mário Soares e Manuel Alegre, mas pasmei quando os vi, fervorosos, num apoio incondicional a José Sócrates no último fim-de-semana. É certo que vivemos numa época da Realpolitik, onde as tradicionais clivagens ideológicas entre os diversos contentores políticos tendem a esbater-se na espuma cada vez mais mediática da política. Por isso é que tendemos a olhar para os dois partidos do poder e vemo-los num só, incapazes duma real bifurcação política. O último governo de José Sócrates serve modelarmente de exemplo, quando expediu milhões de euros para salvar o BPN das fraudes de colarinho branco que durante anos foram sendo descaradamente desenroladas, ou então quando agiu de forma irredutivelmente prepotente nas pretensas reformas educativas protagonizadas por Maria de Lurdes Rodrigues, a qual liderou, provavelmente, a mais lastimável equipa educativa desde o 25 de Abril. Podia trazer ainda à colação aquilo que Francisco Louça tem anotado durante a campanha eleitoral sobre a privatização da GALP ou da EDP, empresas que oferecem, aos seus maiores accionistas, lucros fabulosos. Neste pressuposto, torna-se relevante que o maior accionista tivesse deixado de ser o Estado.
Pode ser também verdade que o PSD tem uma inclinação mais liberal do que o PS. Passos Coelho teve mesmo a ideia fabulosa, quando se apresentou à liderança do seu partido contra Manuela Ferreira Leite, de privatizar a Caixa Geral de Depósitos, um banco que deveria servir de referência aos demais, o que – facilmente se verifica – não está de todo a acontecer, pois toda a orientação administrativa da Caixa se tem fundamentado numa total diluição num mercado virado do avesso, como se desoladamente provou com a presente crise económica e financeira que vivemos.
Ora, foi contra todo este status quo neo-liberal, contra este socialismo moderno que tanto Mário Soares como, principalmente, Manuel Alegre se opuseram durante os últimos anos. Basta lermos os artigos de jornais e intervenções públicas do ex-presidente para facilmente verificarmos que coexistem, no interior do partido socialista, dois socialismos divergentes, em que cada vez se denota mais os tentáculos ameaçadores do tal que é moderno ou, se quisermos ser mais polidos, mais terceira via à Tony Blair. Manuel Alegre foi mesmo ao ponto de participar em comícios guiados pelo Bloco de Esquerda, pairando mesmo a ideia que o histórico socialista pudesse vir a formar um novo partido, partindo duma base de apoio de um milhão de votos conquistados nas eleições presidenciais. Pelos vistos, falou mais alto a visão adesivista da política, um defeito que Alegre, no alto da sua efígie poética, tem, convenientemente, combatido. Daí que, entre um eventual desapoio do PS nas próximas eleições presidenciais e este assomar no comício ao lado de Sócrates, Alegre não tenha hesitado (muito) e se quedasse, ainda que envergonhado, por esta última opção. E foi por tudo isto que, à falta de melhor argumento, Manuel Alegre se saiu com isto, numa tentativa frustradíssima de delinear objectivamente as diferenças entre os dois partidos do meio: uns trazem cravo na lapela nas comemorações do 25 de Abril; outros, não. Para Sócrates, foi suficiente.

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vamos pela estrada e sentimo-nos bem. lá fora, o vento sopra, a neve cai, voam duas aves perdidas. eu sei que tenho de chegar a algum lugar...


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