sexta-feira, maio 23, 2008

desigualdades sociais

Segundo um relatório da União Europeia (Eurostat), Portugal é o país da União com maior disparidade na repartição dos rendimentos. No lado oposto, os países com uma vertente social e distributiva mais igualitária são os que se situam no norte da Europa, nomeadamente a Suécia e Dinamarca.
Não é, de todo, surpreendente, o resultado desta estatística. Confesso que, embora me sinta amargurado vendo que Portugal se posiciona em último lugar numa lista que é, provavelmente, a que maior pertinência possui para avaliar os índices civilizacionais de um país (basta reparar nos países do terceiro mundo e depressa verificamos que, no que diz respeito a desigualdades sociais, conseguem-nos superar), o que me realmente me espanta (e é espanto mesmo) é ouvir a justificativa do Secretário de Estado da Segurança Social, Pedro Marques, ao remeter o estudo do Eurostat para o ano de 2004 salientando que, actualmente, estas discrepâncias estão já diminuídas. Tem razão o Secretário de Estado: o mesmo estudo, mas reportando-se agora ao ano de 2006, coloca Portugal à frente da Letónia. Acrescenta ainda o membro do governo os desconchavos do costume, como a aposta em áreas prioritárias de intervenção, as quais se constringem a três: melhoria das qualificações (Programa Novas Oportunidades), rendimentos (com o salário mínimo "a atingir aumentos sem precedentes") e protecção social (apoio às famílias mais carenciadas).
Não creio que estas medidas, embora sejam consensuais e positivas, façam com que a situação social, em Portugal, se altere significativamente. Na verdade, com o aumento generalizado dos bens de consumo, a precariedade crescente nos empregos (recibos verdes, contratos a prazo ad eternum, etc.), os ordenados congelados e deploráveis, o mais certo é a verificação de um agravamento das desigualdades sociais, o que conduzirá, inevitavelmente, a um crescimento progressivo e preocupante daquilo que os cientistas sociais apelidam de exclusão social, entendida esta como a fase extrema dum paulatino processo de marginalização. Ora, como é fácil entender, a exclusão social, embora não esteja directamente ligada à pobreza (podemos ser pobres sem nos sentirmos socialmente excluídos), é, contudo, maioritariamente fomentada por situações de carência monetária, pois os recursos das famílias pobres ficam tão seriamente abaixo da média nacional que aquelas ficam, de facto, excluídas dos padrões de vida, costumes e actividades correntes, isto é, de alguns dos sistemas sociais básicos. Dentro desta perspectiva padronizada dos sistemas sociais básicos, podemos destrinçar, por exemplo, a área social (famílias, vizinhança, associativismo, mercado de trabalho, etc.), o domínio económico (salário, poupanças, etc.), o domínio institucional (sistemas educativo, de saúde, de justiça, direitos cívicos, etc.), o domínio territorial (o caso concreto das zonas marginalizadas das grandes cidades como os bairros de lata, ou, em concelhos rurais, as freguesias esquecidas pelo poder central, o que, muitas vezes, conduz a uma migração crescente para zonas mais desenvolvidas) e, finalmente, as chamadas referências simbólicas, isto é, uma dimensão subjectiva do fenómeno da exclusão, a qual se traduz numa perda de referências importantes que o excluído sofre, como a sua própria identidade social, a auto-estima, a auto-confiança, a capacidade de iniciativa, o sentido de pertença à sociedade e, sobretudo, a capacidade de visionar positivamente o futuro.
Assim, é importante relevar que a exclusão social, estimulada pelas desigualdades sociais, é também um problema político, pois constitui, eventualmente num primeiro plano, um problema de cidadania. Daí que a responsabilização do governo (e de todos os cidadãos, evidentemente) deva ser encarada como prioritária no sentido de atenuar as repercussões individuais (e colectivas) desta sombria conjuntura social. No entanto, os sinais que o actual governo tem vindo a esboçar neste combate fundamental para o equilíbrio civilizacional do país (através, por exemplo, da recusa em intervir na regulação de alguns nichos de mercado, como os combustíveis) são, ainda, muito ténues.
Veremos, pois, se conseguimos empreender, enquanto país, de uma vez por todas, um verdadeiro combate a situações que nos devem a todos envergonhar.

(publicado no jornal A Voz de Trás-os-Montes no dia 29/maio/2008)

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