quinta-feira, janeiro 24, 2008

as urgências: uma proposta discriminadora

Em primeiro lugar, devo referir o que penso acerca do desempenho do ministro Correia de Campos e da lógica que está na base da sua política reformadora da saúde.
O ministro Correia de Campos não se adequa ao lugar que ocupa. Não chegam as intenções (quem as não tem?), mas (sobretudo) a capacidade de perceber o verdadeiro pulsar das populações, nomeadamente aquelas que sofrem desde há décadas (eventualmente séculos) um arrastamento cada vez mais gritante daquilo que todos nós no fundo procuramos e que se resume a uma vida cada vez mais confortável nos vários parâmetros que constituem a nossa condição de seres humanos.
Quanto à política do ministério (Sócrates bem diz que não há uma política deste ou daquele ministério, mas antes uma política do governo...), verificamos desde logo um erro de base: ela alicerça-se tendo especialmente em conta critérios macro-económicos, designadamente o tão proclamado défice económico-financeiro do país. Tudo, portanto, errado, visto que qualquer política de saúde se deve basear noutro tipo de défice que não o financeiro. Neste sentido, importa muito mais aquilo que Manuel Alegre designou (e bem) como o défice social (injustiças sociais, assimetrias regionais, índices culturais e educacionais baixos em grande parte da população do interior, etc.).
O que fazer, então? Em primeiro lugar, o ministro da saúde deve pedir a demissão do lugar que ocupa, pois não tem já capacidade de reacção (de resposta) relativamente aos milhares de pessoas que se sentem directamente atingidas com o modo patriarcalmente desajustado em que ele, nas suas incontáveis comunicações ao país ("Prós e Contras", entrevistas temáticas, entrevistas de rua...) tenta, exauridamente, sublinhar que todo este árduo trabalho constitui-se exclusivamente com o propósito de oferecer às pessoas (a estas mesmas pessoas que não o entendem) o que elas até aqui nunca tiveram: um sistema de saúde condigno com as suas necessidades.
O segundo passo a dar é também muito simples e baseia-se na tão proclamada discriminação positiva. Com efeito, esta expressão não se deve ligar exclusivamente a eventuais benefícios fiscais (a empresas ou mesmo a pessoas) direccionadas para certas regiões mais desajustadas com o todo nacional. Pelo contrário, a discriminação positiva deverá englobar tudo o que diz respeito à vida das pessoas, principalmente daquelas que mais necessitam: saúde, educação, estradas, tecnologia, etc.
Assim, em todos os concelhos, principalmente os que se localizam no interior (os outros, situados em regiões mais desenvolvidas, têm por perto hospitais com valências mais completas), deveria existir, 24 horas por dia, um serviço de urgência básica, com capacidade de diagnóstico célere e capaz de efectuar pequenas cirurgias (e por que não radiologia e análise), composto por médicos (um ou dois em permanência) e enfermeiros (um ou dois em permanência). É evidente que muitas das noites destes profissionais de saúde seriam passadas a jogar às cartas ou a ver televisão. E ainda bem! Toda a gente gosta de ver os carros dos bombeiros bem estacionadinhos lá nas garagens, não é verdade?
O que realmente ninguém deveria ter orgulho é na política que este ministro da saúde está a desenvolver e que afecta lamentável e vergonhosamente todas aquelas pessoas que, devido a factores vários, muito precisam de alguém que as acompanhe, seja médico ou amigo. Mas se puder ser médico e amigo, melhor ainda.

(publicado no jornal A Voz de Trás-os-Montes na edição do dia 31 de janeiro de 2008)

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