Não resisto (não posso resistir) a transcrever o que Cavaco Silva disse a respeito das desigualdades que continuam a grassar em Portugal.
O presidente visitou, como se sabe, os concelhos de Ribeira de Pena e de Boticas (entre outros), os quais - como também se sabe - são exemplos de um Portugal fatal e tragicamente esquecido pelo poder central.
O que é espantoso é que ninguém tenha dado o devido relevo a estas extraordinárias afirmações. Ou por que ninguém liga ao que o presidente diz (e eu não acredito), ou então por que Cavaco Silva não fez mais do que repetir o que muitos anteriores a ele já esboçaram e, por isso, as suas declarações não são mais do que pura hipocrisia política, ou então por que os nossos jornalistas estão muito mais interessados em saber se o presidente está zangado com Filipe Menezes, por este ter ameaçado romper de vez o acordo com o PS para o chamado "Pacto para a Justiça". Vamos, então, pousar um olhar sobre o que o presidente disse:
Em Ribeira de Pena, Cavaco quis dar "uma palavra de alento e de solidariedade" aos que vivem numa situação de interioridade, ao mesmo tempo que elogiou todos aqueles "que não se vergam nem resignam face à distância a que se encontram dos centros de decisão política, à desertificação, ao abandono escolar e ao envelhecimento das populações".
Já em Boticas, elogiou o "Vinho dos Mortos" que outrora "serviu como resistência ao invasor francês e hoje serve como símbolo face ao esquecimento a que os poderes públicos votam as localidades mais afastadas do litoral."
Ora são realmente espantosas estas declarações. Não só porque Cavaco Silva faz parte, desde há décadas, de muitos centros de decisores políticos (foi, ministro das finanças, primeiro-ministro e agora presidente da república), como também são uma crítica directa e clara ao presente executivo, no que a uma verdadeira descentralização diz respeito. Se repararmos bem nestas frases, notamos que elas se enquadrariam na perfeição durante uma qualquer visita presidencial a tropas portuguesas estacionadas no Líbano, no Kosovo ou Timor.
E é, portanto, com todos estes ingredientes que se faz a popularidade de um Presidente da República.
(publicado nos jornais Público no dia 27/02/2008 e A Voz de Trás-os-Montes do dia 28/02/2008)
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