sábado, junho 27, 2009

fracos argumentos

Um dos pontos em que este governo pecou, ao longo da legislatura, foi o de ter subestimado o povo português. É verdade que se nota, cada vez com maior veemência, a espiral de deriva que José Sócrates encarna, desde que sofreu, surpreendentemente para ele (e não para o seu ministro da cultura) uma pesada derrota nas eleições europeias. Os recuos, através duma dolorosa e eventual postura de humildade, são muitos, e vão desde as obras públicas até à educação. Fortes apostas duma legislatura, portanto.
No entanto, o que para mim tem constituído uma ameaça à inteligência dos portugueses tem a ver com o argumentário utilizado para justificar alguns projectos. Na educação, por exemplo, a máscara da inevitabilidade intransigente das supostas reformas têm sido, agora, completamente desmascaradas cada vez que ouvimos a ministra da educação, claramente em final de carreira política. Ainda bem.
Do mesmo modo, nas obras públicas, os argumentos apresentados são, muitas vezes, hilariantes. Neste sentido, todos nos recordamos do "jamais" ministerial de Mário Lino, a respeito do deserto que, na cabeça dele, representa o sul de Lisboa. É outra personagem em fim de ciclo, como ele próprio, aliás, já se adiantou, afirmando que está velho para ser ministro (!). A auto-estrada para Bragança, proclamada por José Sócrates no mesmo tom de Mário Lino como a auto-estrada da justiça, é fundamentada no seguinte: alguém compreenderá que Bragança seja o único distrito do país sem auto-estrada? (José Sócrates dixit). Outros afirmam que esta obra, com um dos maiores (se não o maior) túneis rodoviários da Europa, constitui um factor de coesão social no país. Pois eu creio mais que esta auto-estrada – desadequada tendo em conta o alcance prioritário doutras oportunidades de intervenção estatal na região e do próprio fluxo de trânsito da IP4 – contribuiu para uma outra espécie de coesão, neste caso de vaidades. É por isso que não há um único presidente da Câmara do eixo Amarante-Bragança que incorpore negativamente esta obra. Só de imaginar que podem ir a Lisboa mais vezes, encostados a um qualquer banco traseiro de um carro de alta cilindrada, como fazem os seus congéneres de outros eixos rodoviários... De facto, custa verificar que ninguém reclama outros tipos de obras como, por exemplo, o melhoramento do IP4 e de outras estradas secundárias, as quais ligam o interior de Trás-os-Montes (continua a ser melhor alternativa atravessar a fronteira para chegar a Miranda do Douro, por exemplo), ou a aposta importantíssima nas vilas e cidades da região, através duma intervenção de renovação/restauração que deveria ser premente. Nada é mais importante, para estes autarcas, do que uma auto-estrada. Não aprendem, pois, nada.
Um outro exemplo que tem a ver com a debilidade argumentativa do governo diz respeito ao recente assomo de negócio com a Prisa, através da compra de 30% da Media Capital pela Portugal Telecom, empresa esta onde o Estado tem uma forte implementação negocial com as acções especiais que constituem a golden share (que lhe confere, por exemplo, poder de veto). Partindo do pressuposto que esta intervenção negocial do Estado constituía um bom negócio, é estranho que agora José Sócrates diga o seguinte: "o Governo não quer que haja a mínima suspeita de que a compra de parte da TVI se destina à alteração da sua linha editorial". Na verdade, o primeiro-ministro não podia ser mais claro. É que se a orientação de qualquer governo democrático fosse esta, não haveria, por certo, intervenção estatal que aguentasse a pressão de qualquer partido da oposição, o qual tem é que evidenciar, no Parlamento – sede própria por excelência do combate político –, este tipo de incongruências e de suspeitas.
Vêm a propósito o verso de Camões: “um fraco rei faz fraca a forte gente”.

(publicado no jornal Público, em 01/07/2009)

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