segunda-feira, outubro 20, 2008

as eleições dos açores e a hipocrisia política

Nada como os resultados de eleições para verificarmos a hipocrisia que paira nos partidos políticos na hora de assumir não só as vitórias mas também as derrotas. De facto, desde há muito que nos habituámos a olhar para o PCP (ou CDU, a vestimenta eleitoral dos comunistas), como o partido que conseguia transformar os seus sucessivos e dramáticos esvaziamentos eleitorais em tímidas vitórias, ou mesmo em retumbantes vitórias "dos trabalhadores" contra "a direita reaccionária". No entanto, a arte da transfiguração numérica, resultante dos votos expressos nas urnas em dia de eleições, tem vindo a ser cultivado pelas diversas forças partidárias. Serve para exemplo as eleições açorianas.
Carlos César, reeleito para um mandato de quatro anos à frente da região autónoma, enfatizou a mudança do paradigma democrático na ilha, ao lembrar que os Açores deram uma lição de democracia ao alargar para cinco os partidos oposicionistas com assento nas bancadas da Assembleia Regional. Tudo, claro, para não memorar as perdas de um deputado e de cerca de 15 mil votos.
No lado do PSD, o rodopio semântico foi, de igual modo, interessante e risível. Assim, Costa Neves, que nada de relevante trouxe para a discussão política nesta campanha eleitoral, disse que se demitia por causa da abstenção. O alcance do pensamento é de tal modo profundo que, seguindo os restantes líderes partidários esta extraordinária orientação programática, não havia, nos Açores (nem em mais lado nenhum do mundo ocidental, suponho) sinergias suficientes para formar um qualquer governo. Mas a líder nacional do seu partido também não lhe ficou atrás no depauperamento discursivo. Na verdade, Manuela Ferreira Leite, na ânsia de escapar à inevitável "leitura nacional" proposta pelos jornalistas e comentadores, não arranjou melhor exemplo do que invocar os trinta e tal anos de governo jardinista na Madeira. De facto, depois do previsível assentimento de Santana Lopes para a disputa eleitoral à Câmara de Lisboa, é caso para afirmar que Manuela Ferreira Leite é, neste momento, uma líder sem rumo, esperando lá para Junho ou Julho uma derrota honrosa nas legislativas (arrebatar a maioria absoluta ao PS, por exemplo) para, descomplexadamente, sair da nau que tem vindo a comandar de forma desastrosa.
Por outro lado, José Sócrates, ao desenhar uma leitura nacional nestas eleições, provou que, de facto, tudo é, na sua cabeça, (muito) relativo, como, aliás, (também) comprovámos no último debate parlamentar, no qual criticou a arquitectura económica financeira em que assenta o ultra-liberalismo que, actualmente, (ainda) nos rege, como se não fizesse parte integrante e apologética dessa mesma vertente (vertigem, ia escrever) socio-económica. Espantosamente, a crise serve também, no caso de José Sócrates, para fazer tábua rasa de grande parte do que tem sido desenvolvido e aceite como um verdadeiro paradigma governativo à escala mundial.

(publicado na Voz de Trás-os-Montes em 23/10/2008)

Sem comentários:

coisas

vamos pela estrada e sentimo-nos bem. lá fora, o vento sopra, a neve cai, voam duas aves perdidas. eu sei que tenho de chegar a algum lugar...


neste momento...