domingo, janeiro 11, 2009

os não-indícios de pinto monteiro

Parece que temos um problema quanto aos procuradores gerais da República. Antes de Pinto Monteiro, apareceu Souto Moura, o de "olhos de gato constipado", segundo o epíteto de Eduardo Prado Coelho, que, cada vez que o motorista lhe abria a porta, abria também a boca do ocupante de trás, ao informar os ávidos jornalistas que o esperavam de uma qualquer novidade escaldante dos vários processos judiciais em curso (envelope 9, Casa Pia, etc.). Apareceu Pinto Monteiro, o que não deixou de constituir, a princípio, uma agradável surpresa, até porque não seria uma tarefa problemática substituir Souto Moura, após anos a fio na corda bamba presidencialista (não fosse Jorge Sampaio um presidente na linha de Cavaco Silva e teríamos, decerto, Souto Moura precocemente afastado do cargo que ocupava).
Mas Pinto Monteiro não se entende muito bem. Ou melhor: não se sabe muito bem que caminho aspira para a justiça portuguesa. Lembra-me muitas vezes aquele ministro da agricultura de António Guterres (penso que o seu nome é Gomes da Silva), o qual, num belo dia, decidiu entrar para o anedotário nacional, ao sair apressadamente do seu gabinete para fazer parte duma manifestação contra a política agrícola que decorria à frente do... ministério da agricultura. Com efeito, Pinto Monteiro também nos presenteia com certos dislates comunicacionais estranhíssimos, como aquele em que o próprio assumiu publicamente que suspeitava que o seu telemóvel estivesse sob escuta da polícia, porque ouvia, amiudadas vezes, barulhos desconformes enquanto falava. Outros exemplos poderiam ser considerados, os quais resultam, como ponto de convergência, num sentimento de insegurança para os cidadãos cada vez mais premente.
Com o caso ultimamente relatado na imprensa de uma suposta fraude envolvendo um ministro português (do tempo de António Guterres), relacionado com o chamado "caso Freeport", Pinto Monteiro apressa-se, desde logo, a afirmar que, até ao momento não existem indícios do envolvimento de qualquer ministro português, nem do actual nem de anteriores governos, em eventuais crimes de corrupção no âmbito deste processo.
Como se sabe, foi uma investigação das autoridades judiciais do Reino Unido que despoletou uma eventual onda criminal relacionado com o licenciamento da construção do espaço comercial de Alcochete, em que são elencados vários suspeitos, desde autarcas, os inevitáveis construtores, advogados, acabando no referido ministro. Tudo feito, segundo o semanário Sol, através das tradicionais "luvas" e dos não menos acostumados "off shores", expressões tão prodigiosamente seguidas do neoliberalismo e do capitalismo que nos conduziram ao abismo económico-financeiro em que agora nos encontramos.
Por tudo isto, estranha-se (mas não se consegue entranhar) que Pinto Monteiro proclame que não existem indícios. O senhor Procurador-Geral da República deveria saber que este tipo de informações já constitui um indício. Na verdade, não estamos a falar de notícias de jornais (o que já seria relevante). O que está aqui em causa é uma investigação judicial que foi noticiada pela imprensa. Sem colocar em causa, obviamente, a presunção de inocência a que qualquer cidadão tem direito, o senhor Pinto Monteiro deveria, antes de mais, agir em conformidade com outras situações por ele abraçadas como quando, por exemplo, pediu à Ministra da Educação para não minimizar a violência nas escolas, ao ponto de afiançar que vai preocupar-se com "cada caso de um miúdo que dê um pontapé num professor ou lhe risque o carro [por não querer que se viva] um sentimento de impunidade nas escolas [e que] quanto à escola, ao nível penal, deve existir tolerância zero".
Convém, portanto, que Pinto Monteiro seja mais coerente nas suas tomadas de posições públicas. Tudo para que alguém que tem como função primeira lutar contra certas anomalias da justiça em prol dos cidadãos, não se torne, ele próprio, uma mera irregularidade.

(publicado no jornal A Voz de Trás-os-Montes em 15/01/2009)

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