segunda-feira, dezembro 22, 2008

um pouco de ideologia (actualizado)

José Sócrates falou de improviso num seminário promovido pelo Diário Económico que tinha como tema "Como crescer em tempo de crise". Foi, talvez, uma das peças de cariz mais ideológico do primeiro-ministro. Na verdade, essa marca ficou desde logo patente no início da sua intervenção quando, desassombradamente, referiu que "é preciso agir sem ortodoxia e sem ideias feitas", adiantando que "é preciso estar com a mente aberta para responder aos problemas e não para responder às necessidades da nossa ideologia. Precisamos de ter mente aberta e não ficarmos reféns da ideologia ou das respostas clássicas, porque problemas novos exigem respostas novas". Acusou ainda, de modo implícito, todos os outros – os que são incapazes de mergulhar nesta sua visão – de estarem presos a amarras do passado, que mais não são do que teias de aranha condicionadas por sistemas ortodoxos do pensamento.
Esta reflexão um tanto silogística do primeiro-ministro revela, mais do que tudo, um tipo de político que tem grassado nos últimos anos na atmosfera da realpolitik europeia. Com efeito, é este tipo de "homem novo" (hodierno) que faz com que olhemos, por exemplo, para José Sócrates e Durão Barroso e não consigamos vislumbrar uma qualquer linha de orientação diferenciadora, pois é como se os dois tivessem saído da mesma linha de montagem. É também esta idiossincrasia que apazigua certos paradoxos discursivos e decisões contraditórias. No caso de Barroso, o facto de ter “dado à sola” dois anos após ter sido mandatado pelo povo português para liderar um governo revela, antes de tudo, o quanto é que o cargo representava para o actual presidente da Comissão Europeia. No que diz respeito a José Sócrates, absovem-se-lhe certos dislates dedutivos, como quando referiu, em início de Dezembro, que 2009 será um bom ano para os portugueses (“vão ganhar poder de compra como não ganhavam há muitos anos”) e, passados quinze dias, sublinhou que, afinal, 2009 vai ser “o Cabo das Tormentas, um ano difícil e exigente”. É, pois, esta casta de políticos, que foge de um qualquer assomo de ideologia política como o diabo foge da cruz. Tudo em nome do chamado pragmatismo político, da acção, que mais não é, afinal, do que uma certa hipocrisia que tem como base a sustentação no poder a todo o custo, ou, até ver, até onde o sistema democrático o permitir. Mas é esta mesma filosofia que, paradoxalmente, torna incapaz o governo de protagonizar acordos interpartidários (em comissões parlamentares, por exemplo) a respeito de causas tão prolongadas no tempo como a educação (serve, igualmente, de exemplo). Tudo em nome, afinal, do tal pragmatismo, da não entronização das “respostas clássicas” que frisava José Sócrates. Mas não contemplo, em matéria política, nada mais “clássico” do que este tipo de procedimento.
E é esta plataforma humana que liderou os destinos da humanidade nos últimos decénios. São os mesmos, agora, que são incapazes de alinhavar um entendimento diacrónico do percurso avassalador duma economia de costas voltada para o ser humano. Por isso, andam agora perdidos. E, à míngua de ideologia, querem respostas para amanhã. E nisso eles são bons. O amanhã que se recria constantemente. Até um dia.

(publicado no jornal A Voz de Trás-os-Montes em 01/01/09)

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