terça-feira, dezembro 09, 2008

a auto-estrada da justiça

Auto-estrada da justiça é a denominação que José Sócrates aprontou para a auto-estrada que vai ligar Amarante a Bragança. Este tipo de nomenclatura diz muito mais a respeito do homem do que da obra. De facto, José Sócrates já nos habituou a estes desvarios próprios de um qualquer empresa de publicidade ou, no mínimo, de um qualquer técnico de marketing. Talvez seja o relacionamento profundo e prolífico com as chamadas agências de comunicação o principal culpado destes devaneios simbólicos.
No seguimento da imagística metafórica criada pelo primeiro-ministro, li outro dia, no Diário de Notícias, um excelente artigo (não sei o nome da autora nem o dia da edição), em que se faz uma oportuna reflexão sobre o nosso mapa de estradas e auto-estradas. A autora chega à conclusão que há, em Portugal, auto-estradas em excesso. De facto, basta um olhar atento para o recorte de um mapa de estradas actualizado e verificamos que muitas das auto-estradas não são mais do que acumulações de erros de planeamento. Dou uma ajuda: na zona do Oeste podemos encontrar as seguintes auto-estradas: A1, A25, A13, A10, A15, A23. Tudo numa extensão geográfica diminuta. Agora, chega finalmente a Trás-os-Montes, para gáudio daqueles autarcas sonhadores, a esperança dum caminho mais célere e vistoso para Lisboa.
Porém, estas idealidades, implausíveis, fazem com que sejamos, ao nível da União Europeia, um dos países com maior número de auto-estradas. Vejamos alguns dados, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico:
Na UE a 25, Portugal tem uma média de auto-estradas por rede viária de 2,3% – muito acima dos 1,2% da média (é o terceiro valor mais elevado, depois da Espanha e Luxemburgo); a União Europeia tem 13 km de auto-estradas por 100 mil habitantes, quando Portugal tem 17 km; por cá existem 20 km de auto-estrada por 1000 km2 do país, enquanto a média da UE são 15 km; Portugal foi o segundo país que desde 1990 e até 2006 registou a maior expansão na rede; é também o segundo país com mais quilómetros (8,3 km) por mil milhões de dólares de PIB, apenas ultrapassado pelo Canadá.
Tudo isto faz-nos naturalmente reflectir sobre o país que temos e que queremos. Tudo isto coexiste com – pasme-se! – o mau estado das estradas (nos gastos com manutenção, caímos para 10.º lugar, com 177 milhões de euros!...), com salas de aulas apinhadas de alunos, com escolas sem condições didácticas plenas, com salas de espera de hospitais miseráveis, com deputados que faltam muito às sextas feiras, etc. etc. etc.
Deste modo, o que se prevê, na aspiração legítima da superação da crise económica que já grassa entre nós, é mais uma oportunidade perdida. Não que a receita (previsível, aliás) em obras públicas esteja errada. O que me parece desacertado é não se aproveitar todas as sinergias para modernizar efectivamente o país. E esta modernização dever-se-ia enquadrar não nos vistosos TGV’s e aeroportos, mas antes nas pequenas empreitadas que alinhariam Portugal nos países verdadeiramente civilizados.

(publicado no jornal A Voz de Trás-os-Montes em 18/12/2008)

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vamos pela estrada e sentimo-nos bem. lá fora, o vento sopra, a neve cai, voam duas aves perdidas. eu sei que tenho de chegar a algum lugar...


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