Não sei quantas pessoas que votaram Cavaco Silva nas últimas presidenciais estarão arrependidas de o ter feito. Na verdade, a última coisa que nós precisávamos, neste momento conturbado e difícil da nossa vida político-social, era um presidente que não acrescentasse nada à vida política. Infelizmente, com este mandato de Cavaco Silva, é o que está a acontecer. E a culpa só a ele, naturalmente, se deve, apesar de ser comum a lógica aritmética nos primeiros mandatos presidenciais. Ou seja: Cavaco Silva tenta ganhar o apoio do Partido Socialista para assegurar um segundo mandato (o que, diga-se desde já de passagem, com a liderança de Manuela Ferreira Leite no Partido Social Democrata, não se revela tão fácil de alcançar). Soares fez também isso, embora com mais estilo e mais coragem política.
Na verdade, o actual Presidente da República reduz o mais alto órgão de soberania do país a uma espécie de grau zero político. Os exemplos são variados e escolho, aqui, rapidamente, dois: o silêncio presidencial face ao recente bloqueio dos camionistas e a vergonhosa viagem à Madeira, em que o Presidente da República recebeu os líderes partidários num hotel. Mas o que convém, neste contexto, sublinhar, é que a linha de pensamento de Cavaco Silva, enquanto Presidente da República, é o de nada dizer, chegando mesmo ao ponto do ridículo, como aconteceu, recentemente, em Espanha, ao afirmar, relativamente à sua gaffe do dia da raça, que "aqui [Espanha] não faço comentários sobre política interna, politiquices, nem sobre fait-divers. Toda essa matéria fica para o nosso próprio país".
De facto, os portugueses gostariam de olhar para o Presidente da República e ver alguém com capacidade de analisar a sociedade com sentido crítico (por onde pára a crítica, que deve ser encarada, tendo em conta a boa cooperação institucional, construtiva?) e não como um mero preenchimento constitucional. É que dizer, genericamente, que o Presidente da República é o garante do cumprimento da Constituição é muito pouco, pois para isso, existe o Tribunal Constitucional. Aliás, é este órgão que decide sobre eventuais inconstitucionalidades das leis aprovadas pelo Parlamento. De facto, é triste contemplarmos o mais alto cargo da nação reduzido a uma figura estética, vazia de sentido. Neste sentido, até se compreende aqueles que pugnam pelo regresso da monarquia, visto que todo o paradigma em torno do cargo presidencial se assemelha, incontornavelmente, a um qualquer monarca europeu.
Deste modo, esta inocuidade presidencial leva-nos, portanto, a reflectir sobre a verdadeira importância do cargo de Presidente da República. É que chegámos a um ponto surpreendente e que tem a ver com o facto de alcançarem mais valor opinativo os ex-presidentes (Sampaio, Soares), os ex-candidatos (Alegre) ou até putativos futuros candidatos (Alegre). O próprio Cavaco, aliás, na qualidade áurica de eventual candidato presidencial era, verdadeiramente, mais levado a sério por todos os portugueses. Todos nos lembramos dos afamados artigos sobre “o monstro” que, segundo ele, representava o orçamento de estado desse ano, e “A lei de Gresham”, numa crítica implícita ao governo de Santana Lopes, ao afirmar que a má moeda (os maus políticos) afasta, numa perspectiva económica, a boa moeda (os bons políticos).
Por isso, torna-se imperativo os portugueses começaram a olhar para presidentes da república que não se limitem a uma gestão de silêncios. Até porque a construção duma democracia faz-se, a maior parte das vezes, pelo debate e pelas divergências. Não só no interior dos próprios partidos políticos ou na Assembleia da República, mas também nos diversos órgãos de soberania. Cavaco Silva tem, portanto, também de compreender o alcance social da lei de Gresham. Tudo para que a boa moeda (os cidadãos) não se afaste(m), irremediavelmente, do país.
(publicado no jornal A Voz de Trás-os-Montes no dia 19/06/2008)
2 comentários:
Caro jeduric: não pare de publicar estas análises que faz. Parabéns pelo texto!
Enquanto durar o mandato deste... realmente mais vale que se limite a gerir o silêncio ou até, se possível, a estar calado.
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