Cavaco Silva utilizou, para marcar o 10 de Junho, uma terminologia que desagradou à esquerda portuguesa (o PS não está aqui incluído). O Presidente da República, a respeito de uma pergunta que implicaria um comentário à desordem social que actualmente se vive com a greve dos camionistas esboçou, como tem sido norma nele, uma não resposta, afirmando que "hoje eu tenho que sublinhar, acima de tudo, a raça, o dia da raça, o dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas". Ora, facilmente se depreende que a expressão em causa, que muito incomodou o Bloco de Esquerda e o PCP, diz respeito à raça. É verdade que o conceito de raça adquiriu, durante o Estado Novo, um sentido depreciativo, segregador. De facto, foi com este sentido que raças diversas como os ciganos, os negros, etc. foram destemperadamente apreciadas durante os anos nebulosos da segunda república. Acontece que Cavaco Silva, quando proferiu – porventura intempestivamente – a palavra raça, referia-se, tão-somente, ao que Teixeira de Pascoaes definiu como as qualidades electivas próprias de um povo, organizadas numa pátria comum e com um forte sentido político e moral. Não mais que isso.
Com efeito, temos que nos habituar, de uma vez por todas, em sair de espartilhos ideológicos que nos enublam o raciocínio. Não quero com isto dizer que tanto o BE como o PCP não devam sublinhar o registo discursivo do Presidente da República. Penso que até têm essa obrigação. Só que alicerçar esse comentário tendo como ponto de partida um sentido de malevolência e de revolta patológicas, afirmando que Cavaco recuperou uma "terminologia racista e segregadora do Estado" (PCP) afigura-se manifestamente exagerado. No fundo, é como aquela frase – bem mais desadequada – que Paulo Portas proferiu, sublinhando que o "trabalho liberta", esquecendo-se que era precisamente esta orientação que encimava o portão da Auschwitz nazi.
O que acontece é que nem sempre o que dizemos corresponde ao que aparenta. Deste modo, se tivermos a paciência para deslindar expressões que, ao longo destes tempos em plena democracia, os partidos da esquerda parlamentar proclamaram, não me enganarei se asseverar que encontraríamos pérolas ainda mais preciosas do que estas. Bastaria, por exemplo, compilar os encómios comunistas aos regimes da China e da Coreia do Norte.
De qualquer modo, deve o Presidente da República, a partir do momento que o BE e o PCP aventaram esta afirmação como um facto político, justificar as suas declarações, sob pena de ficar, efectivamente, mal interpretado. É, no fundo, a democracia a funcionar. E ainda bem que assim é.
1 comentário:
O que me admira nisto tudo, é o PR que tem uma acreditação académica elevada, uma experiência de vida razoável, que apresenta uma admiração estranha pela "ignorância" dos nossos alunos,…consegue fazer uma afirmação nos tempos de hoje (século XXI) que é de raça. Eu como um insignificante ser humano, cidadão do mundo, não gostaria de me ver incluído nesse pedigri lusitano. Quanto ao aproveitamento político, acho muito bem que o façam. ff
Enviar um comentário