Na larga moldura de análises comparativas que se tem vindo a esboçar das entrevistas que Sócrates e Manuela Ferreira Leite concederam às televisões, aquele como primeiro-ministro e esta como líder do maior partido da oposição, há um ponto em que todas elas, praticamente, coincidem: a crítica do actual PSD ao despesismo das obras públicas. Convém realçar que Ferreira Leite tem razão quando sublinha a aparente inutilidade de algumas infra-estruturas, ainda para mais quando o país se encontra numa crise financeira gravíssima. Não só o país como a Europa. De facto, não se entende a urgência de um aeroporto quando a Portela se encontra muito longe do seu limite de esgotamento. Do mesmo modo, torna-se igualmente de difícil entendimento o TGV para unir Lisboa e Porto, ou uma auto-estrada Amarante-Bragança (com a construção de um túnel de 6 km, um dos maiores da Ibéria), quando um alargamento da IP4, em toda a sua extensão, revelar-se-ia uma opção mais adequada. Mas os presidentes das autarquias de Vila Real, Mirandela, Macedo e Bragança começaram já a salivar, vendo o aceno do progresso a vir por auto-estrada. Contentam-se com bem pouco, estes senhores. Aliás, estes autarcas que hoje estão à frente de câmaras municipais vozeiam quando acusam o governo de ser centralizador, mas piam baixinho quando umas toneladas de alcatrão lhes passam mesmo à porta de casa, isto é, junto à sede de concelho. Assim já podem ir a Lisboa ou ao Porto, no seu carrinho com motorista, com o conta-quilómetros colado nos 180 ou 200, enquanto eles, no banco de trás, despacham uns papéis para adiantar trabalho. Afinal, se os outros fazem isso, por que é que eles o não podem também fazer?
Voltemos aos nossos líderes nacionais, ou melhor, aos dois partidos do regime e sublinhemos um aspecto que se torna naturalmente relevante para o debate político. Mas para isso precisamos de fazer um ligeiríssimo exercício de imaginação: troquemos os lugares daqueles dois e coloquemos Manuela Ferreira Leite como primeiro-ministro e Sócrates como líder do PS na oposição. Penso que já viram todos onde quero chegar. Aliás, basta recuarmos um pouco no tempo e verificarmos de que maneira é que Guterres conseguiu vencer o cavaquismo: os portugueses não são números, lembram-se? Era o tempo das Expo's e dos Centros Culturais e... das auto-estradas. Mas é disto que se fala quando se fala do centrão. Alguém acredita mesmo que o PSD resistiria a tudo isto?
(publicado no jornal Público em 9/07/2008)
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