Os professores de Portugal são uma classe sui generis. Alargada em número, só a partir do ensino superior é que começa a existir uma efetiva diferenciação de classe. Ora, este estado de hierarquização está, a meu ver, visceralmente errado.
Em primeiro lugar, porque um professor educador de infância não se pode compaginar, no que diz respeito ao modus faciendi laboral, a um professor do primeiro ciclo, e este a um do segundo ou do terceiro e estes a um do secundário. Adrede, esbocei este ajuntamento. Na verdade, existem orgânicas laborais diferenciadas nestes ciclos. Se não causará absolutamente nenhuma estremeção olharmos para um professor do segundo e do terceiro ciclos de modo a que se note um efetivo grau de continuidade pedagógico-didática, o mesmo já não se passa de forma tão óbvia no ensino secundário. Aqui, o trabalho é, de facto, desenvolvido afrentando, essencialmente, o próximo passo, o qual se encontra já ao virar da esquina: o acesso ao ensino superior, ou então a entrada, como técnico especializado (e bem qualificado), no mundo do trabalho. São, portanto, paradigmas diferentes, onde se exige, naturalmente, dinâmicas diferenciadas. Mesmo as disciplinas de índole mais prática têm, no nível secundário, um caráter teórico mais realçado. Daí que não me provocar absolutamente nenhuma estranheza que certas disciplinas, ao nível do segundo e terceiros ciclos, abarquem uma carga letiva de trinta horas, situação marcadamente impossível com outras disciplinas de desenvolvimento mais teorético e pós-laboral (o famoso trabalho de casa dos professores). Como é evidente, isso não seria possível no secundário. Aliás,
não era, decerto, por acaso que a carga letiva neste ciclo contemplava, até há
pouco tempo, vinte horas de trabalho em sala de aula, ao contrário dos outros
ciclos (segundo e terceiros), que se ajustavam (e assim continua) nas vinte e
duas horas letivas. Não se pode, pois, tratar por igual o que é diferente. Por vezes, as reformas educativas dão-se com pequenos passos, os quais podem resultar em inexoráveis saltos para o país. Infelizmente,
não é isso que se tem passado durante os vários e rotativos governos desta
segunda República, os quais são marcadamente e implicantes no que diz respeito
a deixar uma inelutável marca pretensamente mirífica e salvadora.
Dito isto, importa acrescentar que a greve dos professores tem, na sua índole, apontamentos de total hipocrisia de ambos os lados. Em primeiro lugar, a questão da mobilidade especial. Os sindicatos são, como sabemos, frontalmente contra. Os professores do quadro também. Os contratados, coitados, já andam em mobilidade há anos e não têm, a este respeito, genuína oportunidade de intervenção. Anda para aí um estafado argumento, nascido no meio sindical, de que a mobilidade afeta indiretamente os professores contratados. É claro que afeta, mas noto particularmente o uso desassossegado do advérbio, uma amostra da elevada estima que estes professores desfrutam no meio da classe, especialmente da parte dos sindicatos (um verdadeiro anacronismo, visto que os professores contratados são, de longe, os melhores professores das escolas públicas). Deste modo, questiono por que por que razão os sindicatos não se insurgiram com a redução das vinte e três zonas pedagógicas - existentes desde há muito tempo - para dez. Não configura isso uma efetiva mobilidade dos professores (alargamento de uma zona implica alargamento na mobilidade…)? Não entendo, sinceramente, esta vertente contestatária.
Por outro lado, o ministério fala, através do seu extraordinário ministro Nuno Crato (um verdadeiro caso para os perdidos e achados) de homogeneização dos funcionários públicos ao nível dos direitos e dos deveres. Então por que razão não vinculam os professores contratados que andam há anos, angustiadamente, a batalhar por uma luz de estabilidade e dignidade profissionais, que lhes deveriam ser, por direito, outorgados, a fim de pôr termo à maior injustiça laboral que existe em Portugal? Não é isso que se passa com a restante função pública?
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