Vamos ter mais Cavaco Silva no caldeirão político do Natal e também, segundo todas as previsões e por vontade do povo todo soberano, no próximo lustro. O presidente apresentou-se ao país enquanto candidato e depressa foi apelidado de mestre na tática política quando ordenou que os gastos da sua campanha não ultrapassassem metade do máximo que a lei permite. Obviamente que a mestria se situa algures entre a mediatização inerente ao cargo presidencial (não pode, de fato, deixar de ser presidente) e a sua efetiva pouca inclinação para a fotogenia, filmogenia, e outras coisas afins. No entanto, a astúcia de Cavaco quedou-se naquilo que de pior o candidato domina: a demagogia. Na verdade, toda a intenção comunicativa de Cavaco Silva foi ao encontro daquele centrão amorfo que não é carne nem peixe e vê em Cavaco aquilo que o próprio construiu mas que nunca provou ser.
A par de tudo isto, Cavaco Silva emergiu-se. Prometeu tudo o que já antes prometera, agora com um acréscimo de atividade, uma "magistratura ativa", como o próprio sublinhou. Esqueceu-se, todavia, de definir o que isso é, no quadro constitucional que nos rege. Deixou também no ar a extraordinária e quase humorística interrogação, a qual presumo ser formulada retoricamente: "em que situação se encontraria o país sem a ação intensa e ponderada, muitas vezes discreta [!], que desenvolvi ao longo do meu mandato? (...) O que teria acontecido sem os alertas que lancei?"
Ainda discursivamente emparelhado, não pude deixar de me lembrar das queixas de Mário Soares presidente da República, quando o Governo era chefiado maioritariamente por Cavaco Silva. Afirmava então Soares que quando lhe fechavam uma porta, saltava pela janela. Tudo a propósito da sua pouca utilização pelo Governo enquanto chefe de Estado, principalmente quando o assubto era política externa. Pois agora é a vez de Cavaco Silva dizer o mesmo, embora num registo tradicionalmente mais dubitativo e frívolo: "sei que podia ter sido mais bem aproveitada [a sua magistratura] pelos diferentes poderes do Estado".
O povo é, pois, soberano. Escolherá, decerto, o presidente de todos os portugueses. O que nos espera, pelo menos nos próxinmos meses, não é a crise. É simples e desgraçadamete a emoção duma campanha eleitoral. Tudo terminará em Janeiro e Cavaco entrará, de novo, num singular estado de graça.
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