Cavaco Silva surpreendeu com a declaração das oito e meia. E a surpresa veio pelo desassossego que a mensagem provocou. O Presidente falou do risco de eleições e exemplificou com o que se passou nos últimos dias, com a instabilidade dos inevitáveis (irrevogáveis) mercados, como
se estes fossem particularmente distinguidos pelo seu elevado grau de estabilidade, tendo, especialmente, em conta os
últimos três ou quatro anos. Salientou que, com eleições, teríamos um Governo de gestão durante dois meses e o Orçamento Geral do Estado para 2014 entraria somente em vigor lá para março, como se os últimos Orçamentos tivessem sido caraterizados pela sua capacidade de irrevogabilidade. Há também os empréstimos contraídos que vencem em 2014 (ainda bem). Avisou para a possível suspensão das transferências das parcelas da troika, como se um ato eleitoral num país com uma democracia plena e, portanto, civilizada, constituísse um subsequente problema. Anotou também que os sinais de recuperação económica iriam, decerto, regredir, assim como seria mau para o desemprego.
Passou para as consequências políticas da decisão (e é elucidativo que tivesse começado pelas económicas), as quais se podem resumir em dois pontos: as eleições trariam um forte clima de tensão e crispação e uma dificultada formação de um Governo sólido.
Por isso, Cavaco Silva decidiu juntar os três partidos que assinaram o memorando, como se este ainda tivesse em vigor, como se o PS, PSD e CDS-PP não se tivessem demarcado já do documento, aquele por não concordar com os vários descomedimentos dos partidos da maioria e estes pela razão oposta (ir para além da troika, esgoelava há dois anos Passos Coelho, com o beneplácito tático de Portas).
De qualquer modo, não vejo de todo que foi tudo mau na mensagem: Cavaco não aceitou os infantis joguetes de bastidores de Portas e Passos.
Ficamos também a saber que, apesar da recuperação da economia e do desagravamento de desemprego, vivemos uma situação de emergência nacional, que requer um desempanado Governo de salvação nacional. É talvez este o nosso destino, o de viver no interior de aparentemente irrevogáveis paradoxos discursivos.
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