Recebi uma crítica simpática de um leitor dando conta, essencialmente, da minha falta de “patriotismo transmontano” quando abordo, depreciativamente, o projecto da auto-estrada transmontana. A esse respeito, tento ser coerente. Para mim, as obras que têm dilacerado a serra do Marão são tão desnecessárias quanto o são, por exemplo, o TGV ou o aeroporto de Lisboa. Para mim, são simplesmente obras de regime, de alguém que quer ser lembrado na história, mesmo que seja como nota de rodapé, como o governo (o mandante) que construiu um dos maiores túneis do mundo e o aeroporto de Lisboa, um dos mais modernos da época. Acontece que o tempo do fontismo acabou, ou mesmo o do cavaquismo. Os tempos são, portanto, outros e a aposta passará sempre pela qualidade e não através de níveis quantitativo.
Nunca gostei do IP4. Mesmo quando, nos idos anos da sua conclusão, Cavaco esgrimia os mesmíssimos argumentos que agora Sócrates invoca a respeito da tão celebrada (alvoraçadamente celebrada) auto-estrada da justiça, mesmo nessa altura o seu traçado afigurava-se-me pouco ambicioso e perigoso. Bastaria um olhar descomprometido, tanto ao nível político-partidário como também ao nível emotivo-territorial, para entender que percorrer exasperantes quilómetros atrás dum veículo pesado em marcha necessariamente lenta não é a melhor forma de prevenir e optimizar nos condutores uma condução segura e civilizada. Todavia, importa sublinhar a simbologia da obra, ao ligar o distrito do Porto à fronteira de Quintanilha, roçando (de forma proveitosa, é certo) os concelhos de Vila Real, Mirandela e, obviamente, Bragança. E é também neste ponto que impulsiono parte da minha perspectiva crítica.
De facto, o IP4 não ligou Trás-os-Montes ao litoral. Quando muito, houve um enleamento destes concelhos a um conceito desastrado de desenvolvimento que tem pautado o nosso país desde sempre, principalmente desde que a necessidade de ganhar eleições (o poder pelo poder) se começou a impor em prol dum crescimento verdadeiramente homogéneo. Por isso é que os autarcas destes concelhos andam agora numa onda salivante na perspectiva de ver passar uma auto-estrada à porta de casa. Como diria Jorge Sampaio, há mais Trás-os-Montes para além da auto-estrada da justiça... Diz o meu estimável leitor o seguinte, seguindo, aliás, uma espécie de mainstream político: “a província de Trás-os-Montes não possui uma única auto-estrada”. E depois? Acaso essa verdade é um premente problema para a região, tendo em conta, por exemplo, a despovoação das vilas e aldeias, o consequente encerramento de escolas e unidades de saúde, o degradado estado das cidades e vilas, o esquecimento sistemático das vias de comunicação, onde os carros circulam em estradas – estas sim – objectivamente desadequadas para os nossos tempos, a ausência cada vez mais irrevogável de comboios, o caciquismo, o compadrio, etc.? Eu vivo em Vila Real mas recuso-me a olhar para Trás-os-Montes dividido em sub-regiões no que diz respeito aos índices de desenvolvimento. Isso seria cair naquilo que é, actualmente, Portugal, isto é, um dos países vergonhosamente mais desiguais da Europa, o que, a meu ver, se expõe como a mais influente desvantagem, ao não sermos capazes de dar aquele salto qualitativo, o tal que nos permita olhar para este pequeno território sem falar em litoral ou interior como se nos estivéssemos a referir a dois países distintos. Daí que concorde com o meu conterrâneo quando invoca a necessidade de uma via rápida segura. No que discordamos é somente no seguinte: para mim, metade dos 800 milhões orçamentados para esta obra seria mais do que suficiente para alterar o perfil de segurança do IP4. Quanto aos outros 400 milhões tenho a certeza que não chegariam para impulsionar de forma efectiva o outro lado da região. O raciocínio é, pois, simples: não podemos continuar de costas voltadas para Trás-os-Montes. Então quando são os próprios transmontanos que estão na base desta desarticulação!…
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