terça-feira, março 09, 2010

as contingências

Por muito que nos custe – e por muito demagógico que possa parecer – as notícias que, devido às condições climáticas, dão conta de estradas cortadas, árvores caídas, casas desmoronadas, rios a transbordar, revelam, indelevelmente, muito menos a contínua e necessária discussão sobre o clima e muito mais o estado absolutamente incoerente do país. O exemplo da Madeira foi, digamos, a "prova provada" de que planificação no âmbito de uma perspectiva ecológica urbana nunca foi o nosso fio condutor. As contingências eleitorais – demagógicas a maior parte delas – e a menoridade da nossa democracia fizeram com que os políticos do nosso tempo optassem, invariavelmente, pelo foguetório em prol duma planificação naturalmente sustentada. Os exemplos abundam. O difícil é, sem dúvida, perscrutar casos de sucesso. Basta percorrermos as nossas cidades e olharmos para a pouca consideração com que os pedonais são remetidos. Os carros, aqui, são quase sempre mais importantes do que as pessoas. Ainda nas cidades, a quantidade de prédios degradados é também um sinal dos tempos. Invocam-se inúmeras razões, muitas delas pertinentes, mas entre invocações e críticas, os edifícios permanecem numa morte lenta e perigosa.
No mesmo sentido, a opção pelas auto-estradas continua a ser, nos dias de hoje, inexplicavelmente, primacial. Retomemos este tópico, já aqui abordado várias vezes. Há pouco mais de duas décadas desenhou-se e fez-se o IP4. A obra mirífica que ligaria, finalmente, o litoral ao interior. Necessária, sem dúvida. Mas não é preciso ser engenheiro de estradas para facilmente verificarmos, mesmo aos olhos da década de 90 ou 80, que, em alguns troços, as faixas de rodagem se afiguravam objectiva e definitivamente curtas, com uma só opção de percurso, quase sempre no sentido descendente. No entanto, inventou-se agora a auto-estrada da justiça, a mais proclamada obra transmontana, segundo o nosso aturdido primeiro-ministro. Não teria sido melhor havermos resolvido esta "injustiça" no seu devido tempo? E será mesmo tão imprescindível esta auto-estrada? Na minha opinião, claramente que não.
Mas o exemplo maior de todo este focus argumentativo vem, infelizmente, com a trágica situação vivida na Madeira. Por muito que nos afecte, a dimensão dos estragos do aluvião que assolou a ilha tem muito a ver com a ausência de uma planificada e coerente estruturação urbanística. Neste sentido, as responsabilidades deveriam ser assumidas. Mas o que se passou foi extraordinariamente o oposto. Alberto João Jardim, numa das primeiras declarações que lhe ouvi, afirmou logo que ia fazer um túnel, mais um. Poderíamos pensar que era um impensado e dolorido raciocínio, fruto da tragédia interior que o governante, naquele momento, vivia. No entanto, já depois da maior hipocrisia política que a democracia portuguesa presenciou, reproduzida por José Sócrates e Jardim, este, questionado sobre a reconstrução da ilha e dos eventuais pareceres negativos dos ambientalistas, depressa retomou, agora já mais reconfortado no alto do seu bilião de euros, a sua tradicional e escalavrada verve, afirmando que o "ambientalista sou eu".
Ouvi muitos e respeitados comentadores da nossa praça glorificando o Presidente Regional da Madeira a respeito da sua atitude perante o sucedido. Não discuto a valorização do sentimento de pertença territorial. O que me perturba são as respostas. As pretéritas e as futuras.

2 comentários:

Anónimo disse...

Fico sempre encantada com a sua escrita...

Anónimo disse...

http://www.youtube.com/watch?v=jQCCrct8fWc

coisas

vamos pela estrada e sentimo-nos bem. lá fora, o vento sopra, a neve cai, voam duas aves perdidas. eu sei que tenho de chegar a algum lugar...


neste momento...