Na hora de contar euros, não há absolutamente sentido algum patriótico. O capital, dizem, não tem pátria. Vivemos, como todos nós sabemos, uma crise financeiro-económica muito grande, a qual parece ainda longe de se harmonizar. É também de entendimento comum que foi a desregularização dos mercados o principal impulsionador da crise. Dito de forma simples: o apagamento cada vez mais notório do dedo Estatal fez com que a “economia de casino” corroborasse o enriquecimento febril de muita gente, especuladores financeiros à cabeça. Neste sentido, passada a tormenta inicial, pensou-se que o mundo iria entrar numa espécie de nova ordem financeira e mundial. E é verdade que este pressuposto teve o seu zénite com a surpreendente eleição de Obama e a sua própria consequência prática, em que a reviravolta que foi alvo o sistema de saúde americano, alargado a todos através do apoio financeiro do Estado, pode ser considerada o paradigma deste novo mundo pretensamente florescente.
Assim, podemos todos afirmar alegremente que se aprende sempre alguma coisa com as crises financeiras. Ou talvez não.
A telefónica quer, como se sabe, comprar a participação da Portugal Telecom na operadora de celulares VIVO. 7, 15 mil milhões de euros, isto é, cerca de 90% da capitalização bolsista da empresa portuguesa. Números que deixam doidos qualquer um, mesmo que este qualquer um seja Ricardo Salgado, o maior acionista da PT. Segundo o presidente do BES, o dinheiro da venda serviria para capitalizar a empresa e investir, sobretudo no Brasil. Curioso raciocínio: investir no Brasil... A mim, parco em bolsa, parece-me que com a concretização do negócio verificar-se-á um desinvestimento efetivo na nossa distante ex-colónia (meti aqui propositada e ironicamente esta semântica colonialista por ter lido, através da imprensa portuguesa, o disparate do Financial Times, acusando o Estado português de ter ainda complexos de colonizador). E o raciocínio é simples: ficamos com o graveto, mas limitados a um mercado cada vez mais estreito.
Posso até colidir aqui comparativamente um exemplo futebolístico: os nossos clubes compram jogadores mais ou menos baratos; alcançam mais-valias com as vendas a ligas de maior e melhor dimensão mas, paulatinamente, empurram o campeonato nacional para um fundo cada vez mais desinteressante e internacionalmente pouco apetecível e credível.
Daí que concorde com a posição do Estado português na utilização das suas "ações douradas". Curiosa e oportuna é a justificação do PSD através do seu porta-voz Miguel Relvas, indiciador do que será um Governo chefiado por Pedro Passos Coelho, num afã obstinadamente neoliberal: "não teríamos utilizado a golden share, apesar de reconhecer que o negócio não era bom para a PT". Traduzindo: deixávamos o mercado funcionar e enriquecíamos ainda mais o grande capital (o salivante argumento de Ricardo Salgado é, nessa perspetiva, notório).
Pelos vistos, a União Europeia, através da sua comissão chefiada pelo nosso mais famoso desertor político (um percurso político notável a este nível), é da opinião que o Estado deve deixar funcionar o mercado e, consequentemente, não deve possuir este tipo de força acionista. Não creio que seja este o caminho diretor que melhor se adequa a uma Europa cada vez mais interveniente do ponto de vista financeiro, precisamente porque o mercado necessita de uma regulação racional e independente, a qual só pode ser conferida pelo Estado em quantidades obviamente equilibradas.
Não queria deixar de apontar uma nota final. Os acionistas da PT sabiam, desde sempre, da golden share estatal. Não sei se muitos destes acionistas, pequenos ou grandes, que clamam a venda da VIVO, têm participações nos recentemente bancos falidos. É que não me parece ter ouvido qualquer desenvolvimento crítico sobre a nacionalização do BPN. E intervenção estatal maior do que uma nacionalização sinceramente não conheço.
1 comentário:
Na realidade e apesar do que tem sido dito e escrito, o mercado funcionou. No código das sociedades comerciais estão previstas as acções com direitos especiais (começar por ler o artº24º). Quem detém essas acções é o accionista Estado. Todos os outros accionistas sabem disso e não me parece que elas tenham diminuido ao longo do tempo o valor da empresa. Ora,esse accionista decidiu usar, legitimamente, o poder conferido pela posse dessas acções. Isto não é o mercado a funcionar?
Já que usou a analogia relativamente ao futebol, também nas SAD existem este tipo de acções que estão na posse dos clubes (FC Porto, Sporting CP, SL Benfica, etc)e conferem, por exemplo, o direito de veto relativamente a certas delierações como sejam a fusão ou dissolução da sociedade
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