Ouvidos os discursos dos agentes políticos hoje na Assembleia da República, dois foram efectivamente surpreendentes. O do serenado José Pedro Aguiar-Branco, de índole teorético-combativo, com intertextualidades objectivamente esquerdizantes, e o do Presidente Cavaco Silva. Dizem que os homens, com a idade, vagueiam na direcção de posições mais conservadoras, efectuando, portanto, um caminho da esquerda (extrema-esquerda, por vezes) para a direita (extrema direita, por vezes). Temos nós alguns exemplares autóctones, a começar, desde logo, pelo actual presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso. Se quisermos, também podemos alinhavar aqui o partido Socialista ou mesmo o Partido Social Democrata (embora naturalmente menos, este último). Existem, no entanto, outros que efectuam o percurso inverso: originários de posições políticas mais conservadoras, movem-se em direcção a uma espécie de revolucionamento social, muito embora estas personagens não tenham, no seu adn político, quaisquer sinais sublevadores da ordem estabelecida. Estou em crer que o Presidente da República é uma destas personalidades.
Voltemos então ao discurso efectuado hoje na Assembleia da República. Cavaco Silva foi ponderado e corajoso. Criticou o estado actual do país quando referiu as tremendas e tenebrosas desigualdades sociais, principalmente quando estas advêm de uma real politik que, como já abundantemente vimos, não serve os interesses nacionais, começando desde logo por afirmar que nacionais aqui são, primeiramente, as pessoas. Para chegar a este ponto passou pela escandaleira que é os ganhos milionários dos gestores de empresas com participações públicas, ainda para mais quando o que estes gestores gerem são empresas fundamentadas num monopólio que o próprio Estado - a meu ver bem - modela. Falou, pois, bem, o Presidente da República. Gostei, sobretudo, do oportunismo temporal destes seus reparos. Na verdade, a menos de um ano de eleições presidenciais, Cavaco posicionou-se à esquerda do próprio Governo.
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