Jorge Sampaio vem hoje ao Expresso refletir sobre as capacidades ou poderes ou grau de intervenção de um Presidente da República, tendo em conta a especificidade do sistema semipresidencialista português. Entre o sentido constitucional que advoga fundamentalmente o cumprimento (e o fazer cumprir) da Constituição enquanto garante do Estado de Direito em Portugal, Sampaio lá foi desabrochando um ou dois tópicos representativos da sua visão do mais alto cargo institucional (e político) do país.
Um deles diz respeito ao inexorável elo de ligação entre o Presidente e o povo. De fato, o cargo de Presidente da República é unipessoal, longe das querelas e campanhas partidárias. Daí que me custe compreender o fervor dos partidos políticos nas campanhas eleitorais para a Presidência da República. Não faz, a meu ver, sentido que um candidato sem programa de governo (não o pode, efetivamente, esgrimir por que não faz parte do seu desenho político) tenha (rogada, muitas vezes) a seu lado a "partidarite" aguda que acompanha invariavelmente uma eleição legislativa.
Nessa ligação umbilical com o povo há que percecionar os indícios que dele se soltam. Daí que muitas vezes o cariz humanista dum presidente se revele uma vantagem acrescida na aferição de uma certa mensagem algumas vezes mal aconselhada. Sampaio escreve mesmo, e com pertinência, que "esta permanente proximidade do Presidente com o país e os cidadãos é preciosa na hora em que, por exemplo, um diploma chega a Belém e lhe cabe decidir se o promulga, veta ou envia para apreciação preventiva para o Tribunal Constitucional". Parece-me evidente que assim seja. Não fora essa "proximidade" e bastaria o Tribunal Constitucional para esgrimir (e arbitrar) algumas quezílias próprias desta repartição de poderes, advindas com a revisão de 1982.
Acontece que no momento porventura mais problemático do seu mandato, Jorge Sampaio não foi de todo capaz de fazer a tal leitura dos indícios populares. Refiro-me, obviamente, à chantagem (parece-me que o termo, não é, pelo que atualmente se sabe, excessivo), iniciada pelo então primeiro-ministro Durão Barroso, sobre a imperiosa necessidade de Santana Lopes ser orientado para a sua substituição enquanto responsável máximo governativo, pois o país não poderia perder a luminosidade que resultaria da sua ida para Bruxelas. Jorge Sampaio fez, na altura, depois de ouvir muita gente, o contrário do que um bom presidente faria que era exprimir o seguinte a Durão Barroso: se quiser ir vá, mas tem a minha reprovação; consequentemente, convocarei eleições antecipadas. O povo seria então, mais uma vez, levado a escolher.
Parece que não, mas estas atitudes e escolhas, para além de revelarem a qualidade (Jorge Sampaio) e a probidade (Durão Barroso) das pessoas que ocupam os altos cargos institucionais, resultam também em estados amórficos, os quais podem ser iniciadores (ou exasperantes prolongamentos) de graves crises sociais.
O que estamos presentemente a viver em Portugal não é decerto resultado do exíguo consulado de Santana Lopes (o qual, no meio desta história, é o menos culpado). No entanto, numa altura que o país estava "de tanga" (Durão Barroso dixit), o pior que se aceitaria num Presidente da República era a sua conivência com situações claramente pantanosas (o pântano de Guterres também não anda lá muito longe deste cenário).
Por isso, é sempre muito mais doutrinalmente edificativo usufruir da áurea que se levanta quando se é um ex-Presidente da República.
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