quinta-feira, outubro 31, 2013

sinais e sacrifícios

Basta um pouco de lustro num qualquer indicador para o Governo vislumbrar um doce encanto de final da crise, da recessão, do desemprego. A par disso, o inestimável primeiro-ministro realça, no parlamento solene, o sacrifício (odiosa e hipócrita palavra) dos portugueses, verdadeiros heróis do nosso tempo. São, pois, os portugueses os autênticos obreiros deste Portugal moderno, os portugueses que emigraram, expulsos e envergonhados, os portugueses a quem lhes é oferecido um definitivo desemprego, os portugueses que passaram a substituir o jantar por um caldinho de legumes, os portugueses que deixaram de estudar, os portugueses que comem nas cantinas das escolas no tempo de férias, os portugueses que não compram os manuais escolares, os portugueses que esperam a morte, desamparados de qualquer segurança social, os portugueses que regressam a casa dos pais, os pais que regressam a lado nenhum. Gente ousada, diria novamente Camões deste nobre povo luso.

quarta-feira, outubro 30, 2013

a reforma do estado

O irrevogável Portas apresentou hoje, finalmente, a sua reforma do Estado português. Ouvi-o sem a atenção que o assunto naturalmente merece. O problema não é da reforma: é do reformador.

ronaldices

Hoje o dia tem sido marcado pela injúria de Blatter para com Portugal! Falta ainda ouvir o Presidente Cavaco, o da República.
Entretanto, urdiu-se de imediato uma afoita petição na internet com a patriótica exigência da demissão do senhor Blatter. Em poucas horas, o número dos portugueses indignados e atingidos alcançou os dez mil. Neste mesmo dia, um homem no limite (41 anos, desempregado, sem quaisquer rendimentos, doente e ainda em dívida para com a Segurança Social) campeou-se à porta do Palácio de Belém. Para este não existe petição nem indignação. Vivemos como queremos e provavelmente como merecemos. Adormecemos.

aviso à navegação: as contas autárquicas e legislativas

Surpreendente foi, indubitavelmente, a coligação em Loures entre o o PCP de Bernardino Soares e o PSD. Uma das razões invocadas foi o inexcedível argumento da estabilidade governativa. Nada de novo, portanto. Todos os vencedores de eleições desafiam os vencidos para a estabilidade. Sócrates fê-lo, no seu último governo. Curiosamente, PCP e Bloco de Esquerda não aceitaram o desafio, em nome, é claro, das irrevogáveis fronteiras programáticas. Também sabemos que para o CDS-PP não existe o irrevogável. Dirão alguns, porventura os menos ideológicos, que importa abrir novos horizontes na política. Vejam o Porto, com Rui Moreira e Pizarro (Rui Moreira não tem filiação partidária, convém sempre notar). Outros defenderão o contrário, que Bernardino traiu o partido.
A minha opinião é simples: as autárquicas são autárquicas e as legislativas são legislativas. Tendo em conta esta "la palissada", tenho para mim que, neste contexto atual, o PCP jamais poderia coligar-se com qualquer indício laranja. Para isso, seria melhor um entendimento nacional com o PS.

quarta-feira, outubro 23, 2013

o presidente merceeiro

Nunca tinha visto um presidente da República Portuguesa justificar a fiscalização preventiva ou sucessiva de um Orçamento de Estado com base nos custos para o país (a reiteração anedótica de Cavaco Silva - "muito, muito, muito, muito superior" -, ao lado de Passos Coelho e do quedo Machete, é verdadeiramente elucidativa do tom paroquial do discurso do presidente). Quando se trata de assuntos tão sérios como um Orçamento de Estado, estas coisas remetem-se para uma natural irrelevância. É que estamos no cerne da política. Não saberá isso Cavaco? Penso que sim, que sabe. Acontece que o cerne da política para Cavaco Silva não se sustém para além destes recadinhos.

sábado, outubro 19, 2013

o salvador da pátria

Cavaco, na sua aura de incontornável, lá deixa de vez em quando escapar qualquer percalço comunicativo, como muitas vezes lhe convém. Estamos habituados a ouvir, da sua boa, principalmente quando se encontra para além das fronteiras pátrias, o irrevogável não falo sobre assuntos nacionais fora de Portugal (e dentro de Portugal, cada vez menos, diga-se, de passagem). No entanto, ficamos a saber que logo nesse mesmo dia - o da comunicação provocatória de José Eduardo dos Santos proclamando o fim da cooperação estratégia com Portugal - Cavaco Silva telefonou ao seu homólogo angolano. Tudo não passará de um mal-entendido, sossegou-nos Cavaco. Ainda bem.

sexta-feira, outubro 18, 2013

o delegadozito português da comissão europeia

De seu nome Luíz Pessoa com "z", e de profissão delegado em Portugal da Comissão Europeia, permitiu-se fazer declarações (assinando um texto) sobre o Tribunal Constitucional, remetendo-o para uma responsabilização sobre o que poderá advir se forem chumbadas algumas normas do Orçamento de Estado. As expressões utilizadas não são ténues: o "ativismo político" do Tribunal Constitucional trará "consequências muito pesadas para o país", o qual "pode colocar em risco a implementação do Memorando de Entendimento".
Estas declarações não são graves: são gravíssimas. E são-no não pelo inócuo sr. Pessoa que ninguém sabe quem é, mas antes pela qualidade do executivo que nos pastoreia. Ou seja: cola-se aqui o aforismo "se não te dás ao respeito não esperes seres respeitado". Pessoalmente, não me incomoda absolutamente nada que os senhores Passos Coelho, Paulo Portas e Rui Machete sejam caricaturas. O que me comicha profundamente é a atitude destes senhores enquanto governantes, a qual permite que qualquer badameco se sinta outorgado de opinar desta maneira sobre a Constituição da República Portuguesa. Indiretamente, é o próprio Presidente da República que também está aqui vilipendiado, enquanto garante do cumprimento da nossa Lei Fundamental. Que eu saiba, foram já vários os normativos enviados para o Tribunal Constitucional pelo Presidente da República. Afinal, também Cavaco é uma força de bloqueio. E como estamos em época de aforismo, "pela boca morre o peixe".

terça-feira, outubro 15, 2013

orçamentos e sacrifícios

O Governo apresentou o Orçamento de Estado (OE) para 2014, através da inefável ministra das finanças, Maria Luís Albuquerque. Desde logo, parece-me crível que o que ocorreu hoje, ao fim do dia, é uma mera parte de um Orçamento de Estado. Na verdade, tendo em conta que 2013 comporta, até à data, um OE e duas retificações, não me parece sequer sério olhar para o documento e não pensarmos que será insuficiente e que carecerá de óbvias retificações, tal como os seus congéneres dos anos anteriores. Apesar disto, é natural entendermos que este primeiro documento traça, desde logo, a linha financeira do próximo ano.
Não obstante, o OE conduziu de imediato o país ao debate. Não o país propriamente dito, o da rua, o das pessoas que diariamente palmilham a sua vida, mas o país dos comentadores. E entre estes, surfam nas ondas mais altas os economistas. Estes têm aqui mais uma oportunidade de brilhar, através da discorrência de palavreado conjetural que desagua, inevitavelmente, no avaliamento de credores e devedores, nas alternativas e ausência destas, nas heranças e culpas próprias, nas causas e nos efeitos, nos investidores, nos mercados (claro), na criação de um ambiente saudável para as empresas, no cumprimento das regras, na dívida, etc. A mim interessa-me, todavia, uma palavra, várias vezes dita pela ministra na sua conferência: sacrifícios.
Um sacrifício é, na sua orientação epistemológica, um vocábulo vasto. Com efeito, existem sacrifícios que só com a própria morte se constroem. Por vezes, também se sacrificam animais. Presumo que o Governo e Maria Luís não ajuízam deste modo quando falam de sacrifícios. Dizem que o povo português é um grande povo, sereno, e que está, nesta fase da sua história, a fazer sacrifícios notáveis. Presumo que perder o emprego para toda a vida se enquadre legitimamente no âmbito sacrifical do Governo. É que a relação entre perder ad eternum o emprego e ficar diminuído de algumas concessões contratuais é demasiado óbvia e distante para ser enquadrada na mesma esfera semântica em torno da palavra sacrifício. Por isso, convém articular muito bem as palavras. Não a articulação física, sonora, pois a esta parece que nada há a apontar, mas sim articulação conteudística, aquela que faz a diferença entre o ser sério e o ser um mero bufarinheiro. Ou bufarinheira.

domingo, outubro 13, 2013

finalmente, um esclarecimento nas pensões de sobrevivência, seguindo a premissa das condições de recurso

Noventa e seis por cento dos recetores das pensões de sobrevivência não sofrerão quaisquer cortes, como o sr. vice-primeiro-ministro repetiu, orgulhoso, ladeado de dois quedos ministros. Reiterou igualmente a chamada cabala contra o Governo, uma cabala sem escrúpulos, a qual erigira completas inverdades sobre o nível dos descontos. Afinal, nada de alarmismos. Somente será progressivamente afetado o despiciente número de quatro por cento dos cidadãos que recebem - porque assim foi confiado - as referidas pensões. Posto isto, o que dizer? Afinal, não era preciso tanta azáfama em torno de tanta ninharia. A não ser que estejamos defronte mais um número de despistamento por parte de um tão imaginativo vice-primeiro-ministro.

quinta-feira, outubro 10, 2013

o encerramento das finanças

Uma quantidade de serviços de finanças será fechada em algumas zonas do interior do país. Sabemos que Portugal é um país extraordinariamente desigual, assimétrico nos mais variados postulados de desenvolvimento: população, serviços, riqueza produzida, etc. Há autoestradas que rasgam, impávidas, serras e planícies, num assomo de aposta progressista.
Viajo até Bragança deslizando num proeminente e promissor alcatrão, limpo, célere, com divisão de autoestrada na faixa central. Espantosamente, consigo contar os veículos que circulam nos dois sentidos. O alcatrão desenvolvimentista! A autoestrada da justiça! O túnel, um dos maiores da Europa! O progresso para o interior, finalmente!
Nesta soberba pacoviamente delicodoce, uma questão me assalta, antes de tudo: quem, no seu perfeito juízo, se estabelece numa vila de Trás-os-Montes onde tudo se define pela ausência nos seus mais variados parâmetros: ensino, justiça, mobilidade, solidariedade, saúde, serviços públicos?
Desgraçadamente, não creio que estas decisões possam ser, no futuro, ligeiramente corrigidas. Os custos, nesse tempo, serão muito maiores. Ou então é deixar morrer o interior do país, como se deixam morrer os velhos que ainda lá residem.

quarta-feira, outubro 09, 2013

entrevista ao primeiro ministro

Sigo a entrevista de Passos Coelho na RTP1. Como foi prodigiosamente propagandeado, Passos Coelho responde às perguntas de vinte anónimos portugueses. Uma primeira conclusão a que chego, anódina, tem a ver com um certo perfil psicodramático do primeiro-ministro: gosta de se ouvir. Para além disso, há um certo "show off" em tudo aquilo. Não é que as perguntas não sejam interessantes e pertinentes. O lado monofónico da coisa é mesmo por culpa do Sr. Passos: fala, fala e diz muito pouco.

terça-feira, outubro 08, 2013

manchete no parlamento

O titular da pasta dos negócios estrangeiros do executivo liderado por Passos Coelho esteve hoje a prestar declarações, no Parlamento, no âmbito duma comissão parlamentar. Através dos ecos lidos na imprensa, já deu para perceber, pelo menos, duas coisas: a primeira é que não se demite; e a segunda diz respeito à sua capacidade de manter inalterada a jocosidade em assuntos de Estado tão profundamente sérios.
A este respeito, vale a pena deixar aqui as suas truciladas respostas a João Ramos, do PCP, e a Helena Pinto, do Bloco de Esquerda: "é pena que tanto talento se desperdice no Bloco de Esquerda" (para Helena Pinto); "[agradeceu] não ter exigido eleições antecipadas ou a queda do Governo (...) "É uma originalidade que aprecio" (para João Ramos).
Palavras para quê? É um artista português!

segunda-feira, outubro 07, 2013

as pensões de sobrevivência

Antes de começarmos todos a espingardear, a torto e a direito, importa, desde logo, definir o que é uma pensão de sobrevivência. É aceitável, obviamente, acabar com estas pensões a quem é, ele próprio, um reformado, digamos, topo de gama. O que resta, já não se afigura aceitável. É muito difícil perceber isso, mesmo que a mesma pensão adquira um posicionamento legalista de herança tributária?

correos de portugal

Advinha-se mais uma privatização nacionalizada de um ativo público português. Os correos de Espanha, serviço postal público espanhol, já relevou o seu interesse pelo seu congénere luso. O objetivo, afirma Ramón Aguirre, o presidente da empresa, é alargar à Península Ibérica o alcance espanhol. Em poucos meses pode concluir-se esta operação de nacionalização, acrescentou, divinamente, Ramón.

sábado, outubro 05, 2013

nao vale a pena aumentar o caso

Diz Passos Coelho que "não vale a pena aumentar o caso" Rui Machete. Já havia afirmado mais ou menos o mesmo em relação ao sr. Relvas. Este saiu por incapacidade psicológica. Machete percorrerá idêntico caminho. Estou em crer que lhe bastará ouvir o trautear de uma "Grândola".

rui machete, um verdadeiro artista

É sim, senhor, um verdadeiro artista. Andou pelos primórdios da política e ganhou nome, o tal que costuma ser um preciosíssimo bem para o posteriori. Depois, mergulhou e limou conhecimento na muito portuguesa área curricular do chico-espertismo, como convém a um ex-ministro do burgo. Andou, portanto, a fazer pela vida durante estes anos. Presidente de várias coisas, a várias coisas apontou o seu dedo de conselheiro. Não notou, porém, que a sua vaidade (só pode ter sido por vaidade a aceitação do ministerial cargo) desaguaria, nestes hodiernos tempos, na sua caricatura. Rui Machete é, de facto, uma entediante caricatura. Entediante e triste. O que até não vinha mal ao mundo, se acaso ele não fosse irresponsável. Brincar com os alicerces de um estado de direito, amalgamando, somente por que lhe deu jeito, os poderes judiciais e políticos , não lembraria ao diabo. Joana Marques Vidal, a procuradora-geral da República, esteve bem no desmentido, mas mal na ação: deveria ter apresentado o seu pedido de demissão. Talvez assim o senhor Presidente da República colocasse o sr. Rui Machete, digníssimo ministro de Estado, no olho da rua.

sexta-feira, outubro 04, 2013

e falou, avaliativamente, a troika

E expressou-se assim:

"No caso de algumas destas medidas virem a ser consideradas inconstitucionais, o Governo teria de reformular o projeto de orçamento a fim de cumprir a meta do défice acordada. Tal, contudo, implicaria riscos acrescidos no que se refere ao crescimento e ao emprego e reduziria as perspetivas de um regresso sustentado aos mercados financeiros".

E nós, simples mortais lusitanos, com uma mão no miserável bolso e com a outra a nada fazer, calamo-nos porque o melhor é andarmos caladinhos. Cavaco Silva, afinal, tem razão: somos uns masoquistas. Porém, uma nota interrogativa me assombra: para que serve mesmo um presidente da República?

coisas

vamos pela estrada e sentimo-nos bem. lá fora, o vento sopra, a neve cai, voam duas aves perdidas. eu sei que tenho de chegar a algum lugar...


neste momento...